Para
quem esteve ou está profissionalmente ligado ao ensino concorda plenamente com
a opinião do psiquiatra Daniel Sampaio (DS) expressa no artigo de opinião que
assina no Público de hoje, sobre a seriação das escolas, publicada há poucos
dias e vulgarmente conhecida como “ranking”. Desde logo, a maior parte dos comentários
que chegam ao nosso conhecimento continua a comparar aquilo que não é
comparável, defraudando a realidade, por várias razões muito bem definidas por
DS. Poucas palavras são suficientes para desmontar a verdade que o ranking das
escolas pretende esconder. Por isso mesmo se deve aconselhar vivamente a
leitura do artigo.
Começo
por protestar contra o uso repetido deste termo “ranking”, como se o português
não contivesse vocábulo apropriado. Hesitei em usá-lo, mas fui vencido pelo
hábito: se escrevesse sobre a “classificação das escolas”, muitos leitores não
saberiam do que estaria a falar.
A
comunicação social, em regra tão omissa em tratar os problemas da escola
(excepto os negativos), dedicou agora amplo espaço ao tema. A televisão optou
até por se deslocar às “melhores” e às “piores” escolas, sem cuidar de
aprofundar os fundamentos da seriação publicada.
Tudo
o que seja aferir o funcionamento de uma escola e disso dar conta à comunidade
educativa merece a nossa atenção. As nossas crianças e adolescentes passam a
maior parte do seu dia em território académico, por isso faz sentido que todos
sejam informados sobre a escola. A classificação em causa, todavia, tem um
alcance muito limitado e de modo algum demonstra o que na realidade se passa
nos estabelecimentos de ensino.
Convém
explicar aos menos esclarecidos que os célebres rankings são apenas uma
seriação das classificações obtidas pelos alunos nos exames nacionais. Se já é
discutível que se avalie o mérito de um estudante apenas pela nota do exame
final, é fácil compreender que esse dado não poderá servir para classificar uma
escola em “melhor” ou “pior”. Por uma razão simples: os dados publicados não
entram em linha de conta com as diversas características dos alunos que
realizam essas avaliações finais, nem consideram um dado decisivo e que não
deveria ser escondido de modo sistemático — as escolas privadas seleccionam os
alunos, logo quem chega lá ao final do ano está em melhores condições para
obter bons resultados.
Os
pais fazem muitos sacrifícios para manterem os alunos no privado, com a crença
de que terá melhor ensino. O que se sabe, de modo seguro, é que obterão em
princípio melhores notas, mas é duvidoso que fiquem mais aptos para enfrentar
os problemas da vida. Como psiquiatra que trabalha há 40 anos com adolescentes,
pais e professores, sou testemunha de um facto indesmentível: quando é
detectado um problema de comportamento grave ou uma perturbação mental
significativa, a escola privada aconselha a mudança de estabelecimento de
ensino. Os argumentos são corteses mas só correspondem, de facto, à necessidade
imperiosa de se ver livre de um estudante “problemático”, que poderá contribuir
para a baixa da média no ranking final. Assim, muitos estudantes são
encaminhados para o ensino público, que tem de acolher todos, em vez de a
escola privada garantir apoios significativos a alunos com dificuldades de
aprendizagem ou perturbações psiquiátricas.
Por
outro lado, é hoje um facto incontestado que a origem social e cultural dos
estudantes condiciona o seu percurso escolar. Assim, os alunos que à partida
não podem frequentar um colégio privado por falta de dinheiro terão de ir para
o ensino público, logo as populações pretensamente estudadas pelas
classificações das escolas não são comparáveis.
Outro
aspecto menos positivo das classificações tem que ver com a pressão exercida
sobre os “maus” alunos. Com a obsessão dos rankings, os estudantes mais frágeis
são submetidos a enorme desgaste por críticas tantas vezes injustas, sem que a
escola se preocupe em perceber o alcance, para esse jovem, de uma discriminação
tão acentuada sobre o seu desempenho académico.
Analisemos as escolas, claro,
mas com mais verdade.
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