A proposta de Catarina Martins, no discurso de
encerramento da X Convenção do Bloco de Esquerda, no sentido de levar o povo
português a pronunciar-se sobre o que fazer caso sejam aplicadas sanções ao
nosso país no âmbito da União Europeia (UE), levou a tomadas de posição
desabridas e incompreensíveis, principalmente vindas da esquerda.
Como aqui já deixámos bem vincado, aproveitando
o histórico apresentado pelo Expresso de sábado (2/7/2016) relativamente á
posição dos diferentes partidos no que diz respeito a um referendo sobre a
Europa, verifica-se que todos eles já alguma vez se mostraram favoráveis a uma
consulta popular nesse âmbito.
Não causa, pois, admiração que algumas figuras
do BE venham a terreiro tomar posição sobre aquilo que Catarina Martins defendeu
na X Convenção. O artigo de opinião que José Manuel Pureza assina na última edição
do Expresso, que apresentamos a seguir, é disso exemplo. O vice-presidente da
AR e deputado bloquista alicerça a sua tomada de posição numa questão simples:
o que fazer caso sejam aplicadas as famigeradas sanções?
Já sabemos que “conversações de gabinete”,
perante forças tão poderosas levam invariavelmente a nada… Leia-se, então, o
que escreveu José Manuel Pureza.
Numa
União Europeia que se tornou num espaço disciplinar e punitivo, a gestão do
medo ocupa o comando da política. O maior aliado da política do medo é o ódio. Na
verdade, cada um deles precisa do outro para se legitimar. O europeísmo do
medo, para supostamente lutar contra a extrema-direita, aceita disputar a
política no terreno delae torna-se campeão dos cortes nos direitos sociais e
nos serviços públicos, instalando um clima de perda de competitividade selvagem
de que se alimenta o ódio contra o outro. O maior inimigo do medo é a participação
democrática. A uma Europa que gere estrategicamente o medo das periferias geográficas
e sociais só se pode contrapor uma Europa de vontade genuína dos povos e, por
isso, da amizade pela democracia.
No
topo do argumentário da política do medo está a tese estafada de que quem
critica a União Europeia em nome da democracia é contra o “projeto europeu”. As
dicotomias armadilhadas têm destas coisas: fazem dos críticos verbais da União
Europeia, mas alérgicos à luta por expressões de democracia concreta, amigos da
tranquilidade de Juncker e Schäuble. Quem é hoje vítima da austeridade precisa
de aliados contra a austeridade, no concreto e não só em palavras, por mais
certas que elas sejam. É bom que a critica democrática saiba responder por atos
concretos, em vez de passar o tempo a analisar e a lamentar o sucesso da
extrema-direita britânica.
Desarmadilhemos,
pois, os dualismos que nos tolhem a coragem e os movimentos. A critica à União
Europeia em nome da democracia não é a defesa dos nacionalismos, da mesma forma
que a democracia concreta – e o referendo como uma das suas expressões
participativas – está no avesso do horizonte querido pelos populismos
xenófobos. Se tudo o que é oferecido aos povos da Europa é a escolha entre esta
União Europeia, de austeridade e desemprego, e os nacionalismos fascistas,
abdicar por combater por algo mais do que meras palavras de crítica que abra caminhos
à democracia exigente é ser complacente com a fogueira que faz a tragédia da Europa.
Porque há uma coisa, pelo menos uma, que há muito devia estar clara para todos:
não será por conversações de gabinete nem por batalhas de Facebook que se
mudará seja o que for na União Europeia. Sem disputar maiorias sociais para a
mudança em cada Estado, e em toda a Europa, nenhuma mudança ocorrerá.
Há
uma escolha política que é agora de primeiríssima importância em Portugal. Uma escolha
decisiva. Essa escolha é entre o campo da obediência – convicta ou resignada –
às sanções ou da mobilização contra as sanções. Todos os partidos no
parlamento, o Governo e o Presidente da República afirmaram que a imposição das
sanções a Portugal é absolutamente inaceitável. Muito bem. E o que farão se
houver sanções?
Todos
os partidos portugueses sem exceção defenderam nalgum momento referendos a
tratados europeus. Trata-se de uma promessa feita e sucessivamente incumprida
(Maastricht, Tratado Constitucional, Tratado de Lisboa, Tratado Orçamental…). O
que a democracia tem de exigir é que não haja sanções e que o tratado que as
prevê – o Tratado Orçamental – seja impedido de se tornar direito comunitário. Se
houver sanções não bastam as palavras. É imperioso um gesto concreto. E o
mínimo que esse gesto tem que ser é dar voz a todos para nos podermos
desvincular desse tratado antes que já não o possamos fazer.
Contra a política do medo, as
palavras são importantes. Se elas forem suporte de gestos concretos de disputa
democrática e de oposição aos ódios, então são da máxima importância.
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