O texto que apresentamos a seguir foi
transcrito do Público de hoje, tendo como tema “algumas reflexões” sobre
democracia e a saída do Reino Unido da União Europeia.
A autora, Gabriela Rebelo (*), é mais uma
personalidade a concluir que “as razões de ser da votação no “Brexit” residem
na degradação da qualidade de vida, sobretudo dos mais desfavorecidos”. Foram os
mais frágeis entre a população que fizeram pender a votação para o lado da “saída”,
como se pode verificar na percentagem muito elevada que se verificou nas zonas
onde predominam os residentes mais pobres e mais velhos. Os sublinhados são
nossos.
No
dia 23 de junho, o Reino Unido votou em referendo o fim da sua integração
europeia. E este tornou-se não só um acontecimento central da política europeia
como mesmo da política mundial.
A
25 de junho seguinte o jornal The Guardian, num texto intitulado “Meet 10 Britons who
voted to leave the EU”, procurou entender por que razões os eleitores votaram
“leave”, entrevistando algumas pessoas. E o que parece resultar deste texto é a
ideia, transversal, de que os inquiridos votaram em prol de mais bem-estar
social, melhores serviços sociais em matéria de educação e saúde e, sobretudo,
por um desenvolvimento menos assimétrico do país. Manifestando pretender
melhores escolas e rapidez na marcação de consultas médicas ou melhores
condições laborais (designadamente, como refere o texto, “não trabalhar sete
dias por semana, 10 horas por dia”). Ainda segundo este artigo, os inquiridos
afirmam ter votado para que “a sua voz seja ouvida”, acreditando poder
influenciar “a mudança”, queixando-se de que os atuais líderes não conseguiram
resolver os problemas e que estes se agravaram pelo distanciamento da sociedade
ao poder político. Em suma, da leitura deste texto parece resultar a ideia de
que as razões de ser da votação no “Brexit” residem na degradação da qualidade de
vida, sobretudo dos mais desfavorecidos.
A
este respeito, convém recordar que, após a Segunda Guerra Mundial, no Reino
Unido o fortalecimento do Estado de Bem-estar foi a grande “recompensa” das
pessoas menos favorecidas. Mas hoje as assimetrias sociais são acentuadas e o
Reino Unido é, de acordo com a OCDE, um dos países europeus onde se verifica
maior desigualdade social. Ora, as dinâmicas da Democracia são influenciadas
pelas mudanças sociais e é preciso considerar que hoje a um representante
político exige-se não só uma visão de projecto político mas, também, que esteja
próximo das pessoas, das suas dificuldades de vida quotidiana. E a
sobrevivência da Democracia depende de um desenvolvimento social equilibrado.
Circunscrever
a análise das dinâmicas da Democracia a uma simples dimensão institucional
torna-se simplificador, uma vez que esta é multidimensional. Daí que o agudizar
das situações sociais propenda para exigir que se compreenda verdadeiramente as
questões fundamentais do nosso tempo. Como referia a ensaísta Hannah Arendt: “a
política é uma necessidade absoluta (…) não só para a vida da sociedade, mas
também para a do indivíduo" e a Democracia tem desafios constantes, sendo
o repto de responder ao aumento dos poderes oligárquicos um deles. As dinâmicas
da Democracia assim o exigem.
A
Europa está em crise e a surpreendente decisão tomada neste referendo britânico
mostra que é intensa. Em resultado da crise financeira internacional de
2007/2008, tornou-se óbvia a falta de reforço de integração política, dada a
ausência de decisões políticas estruturantes. Por exemplo, o Modelo Social
Europeu tem vindo a transformar-se incessantemente, e este facto vai reorientar
o curso da política nos países europeus. A verdade é que esta crise ainda
persiste na Europa, sobretudo ao nível social, visível no aumento do número de
trabalhadores pobres (working poor) e das crescentes
desigualdades sociais.
E,
no caso do Reino Unido, este facto não é particularmente recente, uma vez que a
OCDE há muito alerta para as consequências do aumento das desigualdades nalguns
países europeus, em especial no Reino Unido. A maioria dos votantes do
“Brexit” cresceu no período pós Segunda Guerra Mundial, onde havia um forte
sentimento de solidariedade e a ideia de uma prosperidade partilhada. Mas a
deterioração dos serviços nas áreas da saúde e da educação ou a degradação das
condições de trabalho têm vindo a aumentar, em prejuízo de uma grande parte dos
cidadãos. E este foi também o momento de demonstrarem esse mal-estar social.
O desenvolvimento de qualquer país pressupõe um
equilíbrio entre o económico e o social. E este equilíbrio, sendo fundamental para
afirmar o progresso social, é também crucial para a realização da própria
Democracia, na medida em que, e aqui recordo as palavras de Hannah Arendt,
“todas as instituições políticas (…) declinam a partir do momento em que o
poder vivo do povo deixa de as sustentar.”
(*) Professora
Universitária e Investigadora
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