Nada
acontece por acaso e as repetidas declarações antidemocráticas de Marcelo
Rebelo de Sousa (MRS) de obstinada oposição a qualquer referendo que “questione
a União Europeia” vêm nessa esteira já que o actual Presidente da República,
quando presidente do PSD é um dos ”grandes responsáveis pela adesão e
integração desastrosa de Portugal na Zona Euro”. Neste aspecto, registamos a
actual coerência de MRS, apenas assumida de forma indirecta.
De
qualquer forma, há um consenso cada vez mais alargado de que foi um tremendo
erro nunca se ter consultado os portugueses sobre consequências e riscos da
integração de Portugal na zona euro. Todas as decisões nesta área foram tomadas
por elites pretensamente iluminadas e o resultado está aí para nosso mal
colectivo. O artigo que Alfredo Barroso (*) assina no Público de hoje é uma
excelente abordagem do “colete-de-forças” que constitui a nossa presença na
zona euro.
O
actual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, tem feito repetidamente
uma proclamação antidemocrática inaceitável, ao afirmar que nunca autorizará
qualquer referendo que questione a União Europeia. A explicação para esta
obsessão é simples. Para quem não se lembre ou não saiba, convirá recordar que
os grandes responsáveis pela adesão e integração desastrosa de Portugal
na Zona Euro foram, precisamente, Marcelo Rebelo de Sousa (então
presidente do PPD/PSD) e António Guterres (então primeiro-ministro e
secretário-geral do PS), além do então governador do Banco de Portugal, Vítor
Constâncio (ex-secretário-geral do PS), todos na esteira do então
ex-primeiro-ministro e “grande timoneiro” Aníbal Cavaco Silva (ex-presidente do
PPD/PSD). Não espanta, por isso, que todos eles tenham fugido, por exemplo, da
possibilidade de referendar o sinistro Tratado de Maastricht, que instituiu a
União Europeia em 1992, e continuem a fugir, como o diabo da cruz, de qualquer
referendo que questione a nossa presença no “colete-de-forças” da Zona Euro -
ou questione esse tratado intergovernamental mais conhecido como “Pacto
Orçamental”, que é um autêntico pacto de austeridade perpétua contra a
democracia.
Aliás,
ainda recentemente, em entrevista ao suplemento “Economia” do Expresso, Angus Deaton, Prémio Nobel da Economia em
2015, afirma peremptoriamente que “o euro foi um erro terrível”, salientando
que “muita gente das classes médias tem vindo a passar colectivamente um mau
bocado” e reconhecendo que “o euro acabou por funcional mal, com consequências
que, não tendo sido intencionais, certamente foram entrevistas por alguns”. O
que é exacto.
De
facto, no final do século XX, Paul Samuelson, considerado por muitos fundador
da economia moderna – e prémio Nobel da Economia em 1970 – afirmou que a
criação do euro era “o novo Titanic da experimentação económica” e, antecipando
as consequências, aconselhava: “Rezem para que no novo século os livros de
história económica não relembrem a experiência do euro como um erro trágico”.
Infelizmente, a tragédia está à vista.
Também
o muito controverso Milton Friedman, prémio Nobel da Economia em 1976, escreveu
em 1999: “O que mais me perturba é que os membros do euro tenham atirado fora
as suas chaves. Assim que o euro substituir fisicamente as moedas nacionais,
como é que se sai desse mundo? Será uma crise imensa”. E avisava: “Os defeitos
do euro levarão algum tempo a aparecer. Nada surge rapidamente nessa área. (…)
O sistema político dificilmente reagirá com rapidez bastante (a uma recessão)
para acabar com o euro. Por isso, julgo que seria muito conveniente pensar seriamente
na elaboração de uma forma de sair da camisa-de-forças do euro depois de 2002”.
Ninguém pensou. E “o euro devia ser abandonado antes de 1 de Janeiro de 2002”.
Não foi.
Em
Portugal, o economista João Ferreira do Amaral não estava, como se vê, completamente
isolado ao afirmar, no princípio do século XXI, que, “para Portugal, a
permanência na moeda única constituirá um obstáculo permanente ao nosso
desenvolvimento”. E disse mais, no livro que publicou em 2002, Contra o Centralismo Europeu - Um Manifesto
Autonomista:
“A moeda única, quer na fase de aproximação através da política de convergência
nominal, quer na fase de realização, desde 1999, tem prejudicado fortemente a
economia portuguesa. Fez-lhe perder mais de 20 por cento da sua competitividade
externa e fez descer as taxas de juro numa altura em que a situação da economia
portuguesa aconselhava que subissem. O resultado é um enorme endividamento da
nossa economia em relação ao exterior (cresceu cerca de 40 por cento do PIB nos
últimos seis anos) e um enorme endividamento interno das famílias (que atinge
cerca de 95 por cento do rendimento disponível). Tudo isto acompanhado por um
crescimento económico muito baixo (cerca de 2,5 por cento entre 1991 e 2002) e
um profundo desequilíbrio entre bens transaccionáveis e não transaccionáveis”.
De então para cá, tudo piorou ainda mais.
Aliás,
ninguém previu e sintetizou melhor do que Carlos Carvalhas (então
secretário-geral do PCP), em 1997, na Assembleia da República, os enormes
riscos e consequências da integração de Portugal na zona euro. Disse ele então
que “a moeda única é um projecto ao serviço de um directório de grandes
potências e de consolidação do poder das grandes transnacionais, na guerra com
as economias americanas e asiáticas, por uma nova divisão internacional do
trabalho e pela partilha dos mercados mundiais”. E acrescentou, lucidamente: “A
moeda única é um projecto que conduzirá a choques e a pressões a favor da
construção de uma Europa federal, ao congelamento de salários, à liquidação de
direitos, ao desmantelamento da segurança social e à desresponsabilização
crescente das funções sociais do Estado”.
Em
conclusão: Portugal nunca deveria ter aderido ao euro, mas aderiu, e hoje está
metido na tal “camisa-de-forças” de que falava Milton Friedman (ao menos desta
vez cito-o por concordar com ele). E o que é dramático é que as consequências
seriam sempre as que estamos a sofrer agora, mesmo que a meia dúzia de governos
que entretanto se sucederam no poder não tivesse cometido quaisquer erros. Porque
o nosso destino já estava traçado pelo euro.
Perante
isto, percebe-se perfeitamente que o actual PR não queira questionar as opções
erradas e graves que fez quando era presidente do PPD/PSD…
(*) Cronista
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