Na
sequência da fria rentrée do PSD e do discurso apagado e repetitivo do seu
ainda líder, Alfredo Barroso analisa em artigo de opinião no Público de hoje o
pensamento político de Pedro Passos Coelho, cujas ideias que insiste em
defender se coadunam “com os ditames de Milton Friedman e dos seus Chicago
Boys, quando estes fizeram do Chile de Pinochet o primeiro grande
«laboratório» de aplicação prática das suas teorias neoliberais, de acordo com
a «santíssima trindade» — privatização, desregulamentação e redução das
despesas sociais”.
Barroso
historia a seguir a violenta acção dos Chicago Boys no Chile que levou a um brutal
empobrecimento da população deste país com um enorme aumento do desemprego e o
desmantelamento do Estado-Providência. Os únicos beneficiários destas reformas
ultraliberais “foram as
grandes empresas estrangeiras e um pequeno grupo de financeiros oportunistas, a
que os chilenos chamavam «piranhas»».
O
que mais avulta num político de recursos tão limitados como Pedro Passos Coelho
(PPC) é a sua fixação febril, obsessiva e obtusa na «teoria» do empobrecimento
deliberado do país e do povo, para servir de alavanca a um enriquecimento
futuro de tal modo incerto que nem ele próprio se atreve a prognosticar. Quanto
à sua ex-professora e ex-ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, cujas
limitações também são óbvias, tornou-se a sua mais repetitiva discípula
política e não passa de um epifenómeno, ou seja, de um sintoma que sobreveio
numa «doença» já declarada (por PPC). Constituem ambos uma parceria política de
meter medo ao susto.
Mas
o que mais impressiona na teimosia obtusa de PPC é a semelhança inquietante das
ideias que insiste em defender com os ditames de Milton Friedman e dos seus Chicago Boys, quando estes fizeram do Chile de Pinochet o
primeiro grande «laboratório» de aplicação prática das suas teorias
neoliberais, de acordo com a «santíssima trindade» — privatização,
desregulamentação e redução das despesas sociais — formulada na obra
matricial Capitalismo e
Liberdade
(!?). Como escreveu Naomi Klein, no seu livro The Schock Doctrine, The Rise of Disaster
Capitalism,
foi o Chile que marcou a génese da contra-revolução ultraliberal, nascida no
terror, que pretendia ser «uma verdadeira revolução, um movimento radical rumo
à liberalização total dos mercados», como escreveu o Chicago Boy José Piñera,
ministro do Trabalho e das Minas de Pinochet.
O
resultado do «tratamento de choque» que o próprio Milton Friedman foi ao Chile
aconselhar a Pinochet — uma «orgia automutiladora» de reformas, como salientou
a insuspeita revista The
Economist —
traduziu-se num brutal empobrecimento (noção que viria a ser tão cara ao
«nosso» PPC) com o objectivo de empurrar o Chile até à «liberalização completa
dos mercados», provocando um enorme aumento do desemprego (que os Chicago Boys consideravam ser «provisório») e desmantelando
o Estado-Providência, no intuito de estimular o nascimento de uma «utopia
capitalista pura». O ano crucial foi 1975, quando a inflação já atingira os
375% (mais do dobro do que durante o governo de Allende) e o balanço é
simplesmente aterrador.
As
despesas do Estado foram reduzidas, de uma só vez, em 27%. A Saúde e a Educação
foram os sectores mais duramente atingidos (uma das medidas mais emblemáticas
foi o corte do abastecimento de leite às escolas). A rede de escolas públicas
foi substituída por escolas privadas à la carte,
às quais se tinha acesso com «cheques de ensino». Os serviços de saúde foram
submetidos ao princípio do «utilizador pagador», os jardins de infância e os
cemitérios foram vendidos ao sector privado. Mas a medida mais radical foi a
privatização da Segurança Social. Mais de 500 bancos e empresas públicas foram
igualmente privatizados, ao «preço da chuva». As empresas locais foram
destroçadas e, entre 1973 e 1983, o sector industrial perdeu 177.000 postos de
trabalho. Cerca de metade da população chilena foi, pura e simplesmente,
excluída da economia. A corrupção, o compadrio e a fraude escaparam a qualquer
controlo. As pequenas e médias empresas públicas foram dizimadas. A riqueza
passou do sector público para o sector privado enquanto os passivos passaram do
sector privado para o sector público. Aconselhado por Milton Friedman e pela
sua ignominiosa e corrupta quadrilha de Chicago Boys,
o general Augusto Pinochet mergulhou deliberadamente o Chile numa profunda
recessão.
Claro
que os únicos beneficiários das reformas ultraliberais executadas no Chile
pelos Chicago Boys locais — designadamente pelo
seu chefe de fila, o ministro das Finanças Sérgio de Castro (antigo aluno de
Milton Friedman em Chicago) — foram as grandes empresas estrangeiras e um
pequeno grupo de financeiros oportunistas, a que os chilenos chamavam
«piranhas», que nunca se cansaram de ganhar, à custa da especulação
desenfreada, milhões e milhões, partilhando-os com os Chicago Boys estrangeiros e locais. O resultado das reformas
ultraliberais só podia ser, como de facto foi, o de aspirar a riqueza de baixo
para cima e, à custa dos sucessivos choques, empurrar a classe média de cima
para baixo, para o desemprego e a despromoção social.
A
lógica neoliberal do «tratamento de choque» (o mesmo que a troika e o governo de PPC quiseram impor a Portugal
entre 2011 e 2015) fez Naomi Klein evocar, no seu livro já citado, o «parentesco»
impressionante com a lógica dos psiquiatras que, nas décadas de 1940 e 1950,
estavam convencidos de que bastava provocar deliberadamente as crises de
epilepsia para que o cérebro dos pacientes voltasse a funcionar «normalmente».
Para tanto, esses psiquiatras prescreviam o recurso massivo aos electrochoques,
tal como Milton Friedman, e depois a UE, o BCE e o FMI (isto é, a troika) — com apoio de governos como o de PPC —
receitaram e continuam a receitar os «tratamentos de choque» aos países periféricos
em sérias dificuldades. Como então descreveu a também insuspeita revista Business Week, o que se viu no Chile foi
«um mundo digno do doutor Strangelove, onde a depressão é provocada
voluntariamente».
As
propostas de Friedman foram de tal forma brutais e desumanas, que um seu antigo
discípulo, André Gunder Franck, escandalizado com o horror que testemunhou no
Chile, escreveu que tais propostas «não teriam podido ser aplicadas sem os dois
elementos-base em que se apoiavam: a força militar e o terror político». Eu
diria, sem constrangimentos ou papas na língua, que foram estes dois
elementos-base que, felizmente, faltaram em Portugal, entre 2011 e 2015, para
criar um cenário tão dantesco, não só como o do Chile, mas também como o da
Argentina, do Brasil e de outras ditaduras militares sul-americanas igualmente
«aconselhadas» pelos Chicago
Boys.
Não duvido de que seja grande
a capacidade dos grandes potentados económicos e financeiros — assim como da
União Europeia, do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional —
para desestabilizarem governos cujas políticas tenham em vista a melhoria das
condições de vida e do bem-estar das populações. Se pudessem contar com a força
militar e o terror político — como a multinacional norte-americana ITT contou no
Chile — é quase certo que não hesitariam. Mas, onde a democracia ainda
funciona, esses potentados não têm outro remédio se não contar com a
truculência de políticos tão soturnos, rebarbativos e obtusos como Passos
Coelho.
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