Luísa
Schmidt, socióloga e investigadora que se dedica actualmente, entre outras, à área
do ambiente, na qual é doutorada, assina esta semana no Expresso um excelente
artigo, que transcrevemos a seguir, do qual naturalmente se conclui que os “fenómenos
extremos” que recentemente tiveram lugar por todo o mundo não são obra do acaso
mas sim fruto de uma utilização desregrada – é o mínimo que se pode dizer – de combustíveis
fósseis. “Quanto mais depressa melhor” eles devem ficar onde estão, isto é,
debaixo do solo.
Esta
situação, a não ser resolvida rapidamente, poderá colocar em causa a própria
sobrevivência da espécie humana.
O
caminho apontado vai no sentido da expansão das energias renováveis, com uma
potencialidade próxima do infinito. Tal desenvolvimento ainda não teve lugar,
nos termos em que devia, em virtude dos enormes interesses que envolvem as
grandes multinacionais do petróleo.
Reflictamos
sobre o processo em curso no que se refere à exploração de petróleo e gás
natural em Portugal…
Ainda
atordoados pela catástrofe dos incêndios que assolou o país durante o mês de agosto,
quase não demos pelos fenómenos extremos que se iam passando no mundo. A
começar pelas cheias históricas do Luisiana, nos EUA, que mataram 13 pessoas,
danificaram 40 mil casas, afetaram 86 mil pessoas, das quais 30 mil tiveram de
ser resgatadas. Como dizia um elemento da protecção civil local, a surpresa foi
um fator que exponenciou o risco: “Ninguém estava preparado para tanta chuva
num tão curto espaço de tempo.”
Na
Macedónia, cheias também repentinas mataram mais de 20 indivíduos e fizeram
dezenas de feridos, encontrando-se ainda muita gente desaparecida. Em duas
horas registaram-se 800 relâmpagos múltiplos seguidos de cinco horas de chuva
intensa. De novo, a surpresa.
No
Sul da Califórnia, depois de anos de seca, gigantescos incêndios obrigaram, em
menos de 24 horas, à evacuação de 82.600 pessoas, ameaçaram 34.500 residências,
destruíram mais de cem casas, cortaram inúmeras estradas e chegaram a 100 km de
Los Angeles.
Na
Sibéria, Rússia, temperaturas que atingiram 18 graus acima da média local estão
a provocar o degelo de vastas áreas glaciares e de permafrost, descongelando
cadáveres de renas que morreram há mais de 70 anos vítimas de antrax,
libertando a temível bactéria ainda activa. O cenário parece, e antes fosse, de
ficção: cientistas e técnicos equipados com máscaras, luvas e ponças estão a
tentar controlar a situação. Mas entre a população local, há dez pessoas
diagnosticadas com a doença e um adolescente já perdeu a vida.
Entretanto,
a NASA veio anunciar que, desde 1880, nunca registara meses tão quentes como os
do primeiro semestre de 2016. Perante isto, a não ser os think tanks que
algumas petrolíferas financiam e os
habituais fundamentalistas que os seguem, já ninguém nega a gravidade temível
das alterações climáticas. Recentemente Ban ki-Moon veio dizer que se orgulha
de ter colocado “as alterações climáticas no topo da agenda global” e que “se
não agirmos já, vamos arrepender-nos seriamente” (Expresso, maio 2016).
Vamos
então continuar assim de má surpresa em má surpresa? De tragédia em tragédia? O
caminho é muito complexo mas uma coisa é certa: passará sempre pela
descarbonização da economia e dos hábitos de vida. Eis uma mudança difícil e
complicada, mas clara e necessária.
Os
combustíveis fósseis têm de ficar onde estão, ou seja, debaixo do soloe quanto
mais depressa isso acontecer, melhor; as energias renováveis têm de se expandir
tal como está já a suceder em vários países, incluindo a China – que está a
construir as maiores centrais solares do mundo para poder, neste caso,
simplesmente respirar.
Tudo isto pressupões
políticas públicas que apoiem e estimulem as mudanças e medidas de adaptação aos
já inevitáveis impactos das alterações climáticas. Quanto mais prevenido
estiver um país com políticas sérias e eficazes, menos populações serão
vitimadas. É por isso que uma catástrofe com a mesma intensidade provoca menos
vítimas nos países ricos do que nos países pobres. O Papa Francisco disse-o de
uma forma clara. A questão é vasta mas não infinita e tem um ponto de partida:
o petróleo e o carvão que fiquem no chão. Sim, é possível. Não é tudo imediato,
mas é inevitável. Há que acordar e levantar que já é tarde e o Acordo de Paris
está em vias de ser ratificado.
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