quarta-feira, 3 de agosto de 2016

A INIMPUTABILIDADE DOS PODEROSOS


“A lei só é lei se for a mesma para todos” afirma José Vítor Malheiros (JVM) no artigo de opinião que assina no Público de hoje. Esta expressão tem todo a pertinência já que a percepção do cidadão comum é a de que, na prática, a lei é aplicada de forma diferente consoante estejamos na presença de ricos e poderosos ou de gente simples e sem poder. JVM vai buscar várias situações do conhecimento geral como prova do que afirma, como se pode ler no seguinte excerto que retirámos do seu artigo.
Há algo que é fundamental para a justiça de um sistema baseado na concorrência: regras definidas e aplicadas de forma justa. A adopção consensual de um sistema de avaliação com as suas recompensas e as suas sanções. É por isso que, nas democracias, consideramos fundamental o primado da lei – uma lei definida democraticamente e aplicada com equidade, feita por todos e imposta a todos sem excepção. A lei só é lei se for a mesma para todos. De outra forma, é apenas arbitrariedade, abuso e opressão.
O que acontece nas nossas sociedades democráticas de baixa intensidade, para usar a expressão feliz de Boaventura Sousa Santos, é que não só as riquezas são distribuídas de forma desigual, como os grandes beneficiários dessas benesses e desse poder acabam por adquirir um estatuto de excepção que os põe ao abrigo de todas as formas de sanção pública. Tornam-se verdadeiramente inimputáveis mesmo quando o seu escrutínio constata algo de moralmente, tecnicamente, criminalmente ou politicamente condenável. O FMI cometeu erros grosseiros na política que, como membro da troika, impôs a Portugal e à Grécia? Sim, são os próprios que o admitem. O que vai acontecer ao FMI, aos técnicos que cometeram esses erros? Nada. Jean-Claude Juncker promoveu a fuga ao fisco de dezenas de grandes empresas? Sim. O que lhe vai acontecer? Nada. A Goldman Sachs cometeu um rol sem fim de actos ilegais? Sim. O que lhe vai acontecer? Nada. A Volkswagen e outras empresas automóveis cometeram fraudes e atentados ao ambiente? Sim. O que lhe vai acontecer? Nada. Os bancos europeus criam um cartel para manipular as cotações do Libor? Sim. O que lhes acontece? Nada. Nalguns  casos há leves sanções, para evitar revoltas de outras empresas cumpridoras, mas são sempre muito inferiores aos benefícios colhidos. E certamente que não há dezenas de gestores enfiados na cadeia como aconteceria se tivessem roubado uma mercearia. Porquê? Porque há uma lei para os cidadãos comuns e outra para os poderosos. O primado da lei é apenas uma anedota com que se paralisam os timoratos.

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