quarta-feira, 10 de agosto de 2016

O GALPBOL NÃO É UM EXEMPLO DE SILLY SEASON


O Galpbol como alguém já chamou ao caso do convite da Galp a várias personalidades – pelo menos três Secretários de Estado e alguns deputados do PSD – para assistirem a jogos de futebol da fase final do Euro 2016 em que participava a selecção nacional é o tema de um excelente texto de Francisco Louçã no blog que assina no Público. Depois de sequenciar os factos com toda a precisão, apresente as conclusões com igual exactidão.
Não estamos, pois, perante um simples exemplo de silly season mas de uma bem montada “estratégia de relações públicas” típica empresas da dimensão da Galp que, por coincidência, tem um diferendo fiscal com o Estado português, o qual envolve 100 milhões de euros, como veio a público…
O futebol motiva paixões extremas e dificilmente haveria condição mais intensa do que o Euro disputado em França. Portugal ganhou contra todas as expectativas. A surpresa foi criada pelo desempenho da equipa, contrariando o que deixara antever nas suas primeiras partidas e desmentido a lei das probabilidades. O país entusiasmou-se à medida que o campeonato progredia e suponho que muitas pessoas vibraram como se não houvesse amanhã.
Uma empresa patrocinadora da seleção, a GALP, desenvolveu neste contexto a costumeira estratégia de relações públicas e convidou diversas personalidades para viajarem e assistirem a alguns jogos da fase final (deixo de lado por hoje a espinhosa questão da lista das empresas patrocinadoras da selecção). Suponho que terá pago passagens aérea, estadia e deslocações, e entre os convidados – o critério do convite é desconhecido – estavam pelo menos três Secretários de Estado e também alguns deputados do PSD. Sabido o facto, incendiou-se a política, com o PSD a fazer de conta que não sabia de nada e o CDS a pedir demissões, o Bloco e o PCP a mostrarem irritação e o governo em modo de contenção de danos.
Como o assunto é sério, não vale a pena nem fingir que é simples eflúvio de silly season nem esperar que o mês de Agosto passe tranquilamente para se esquecer a contenda.
Vejamos então os factos.
Facto um. O Estado tem um conflito com a GALP sobre questões fiscais, que se disputam em tribunal. O Secretário de Estado que tem a tutela do fisco foi um dos convidados. Interpretação um: entre uma coisa e outra haverá pouca relação, a GALP não deve estar à espera de algum favor judicial. A empresa convidou ainda um Secretário de Estado para a internacionalização e outro colega. Para algumas outras vantagens imediatas? Até pode ser que não. Mas promove estas relações e estes convites porque eles fazem parte de uma cultura de vinculação do sistema político às empresas e a esse beautiful people que navega à volta dos eventos chiques.
Facto dois: o governo reagiu afirmando que os mantém nos cargos mas que vai elaborar um código de conduta. Interpretação dois: se o código de conduta define esta situação como irregular, isso significa que os três Secretários são condenados a posteriori (se não é que as regras explícitas já os impediam de aceitar o convite). Se o código aceitar situações deste tipo, não serve para nada. Ou seja, o governo não condenou o facto mas anunciou que vai condenar o facto desde que essa condenação nada afecte o facto.
Facto três: o ministro dos Negócios Estrangeiros Santos Silva anunciou que vai conduzir “pessoalmente” as eventuais questões sobre a Galp que requeiram decisão do seu Secretário de Estado Costa Oliveira. Interpretação três: o Secretário de Estado foi punido publicamente porque o ministro anuncia que considera que a sua viagem compromete a sua isenção e a sua capacidade de decisão sobre a GALP.
Facto quatro: alguns deputados do PSD, que foram ver os jogos, alegaram “trabalho político” para evitarem uma falta injustificada e sobretudo para receberem o salário do dia. Parece que um deles teve a ousadia de defender que era mesmo “trabalho político” – gritar ou aplaudir numa bancada de futebol, bem vistas as coisas, pode ser uma coisa parecida com “trabalho político” para certos políticos. Interpretação quatro: é assim que estão habituados, a singrar entre os regulamentos.
Conclusão primeira: os Secretários de Estado ficam na posição impossível de decidirem no futuro sob o peso de uma acusação ou suspeição e, pelo menos num dos casos, perdendo mesmo tutela sobre o tema GALP. A decisão de Santos Silva sobre o seu Secretário de Estado atinge directamente os outros dois, que dependem dos ministros das Finanças e da Economia.
Conclusão segunda: os deputados do PSD vão fingir que é tudo normal nos seus casos porque é mesmo tudo normal para eles, estão habituados ao truque.
Conclusão terceira: há outros casos de permanente sobreposição de interesses entre a política e o negócio. Maria Luís Albuquerque tornou-se o exemplo mais exuberante. Mas um Secretário de Estado tem ainda mais obrigações do que um deputado, porque tem poder executivo. Quem criticou a deputada Albuquerque não pode aceitar a facilidade do Galpbol.
Acrescento que considerei a escolha de Rocha Andrade para o fisco muito adequada. Tem formação técnica, visão política e grande capacidade de trabalho, condições para ser um excelente Secretário de Estado (os outros conheço pior e nada escreverei sobre a sua inclusão no governo). Lastimo por isso que estes Secretários de Estado se tenham colocado nesta situação devido à sua escolha, mesmo que motivada por paixão por futebol e mesmo que seja sem outras razões, muito menos a dependência em relação à empresa. Mas é uma situação impossível e eles sabem-no melhor do que ninguém.

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