No Norte de África e Médio Oriente 60% da população tem menos de 30 anos e cerca de 56% dos jovens admitem usar a internet todos os dias. Esta é uma das explicações para o grito de liberdade que está a ecoar naquela zona do mundo. Mas não é a única. Marisa Matias conta-nos neste curto texto as suas impressões da primeira viagem que fez ao Egipto (após o derrube do ditador) como Deputada no Parlamento Europeu.
Espalhem a notícia
Marisa Matias, Deputada do BE
“O senhor que conduzia o táxi que nos levou de volta ao hotel não conseguia falar de outra coisa que não fosse da revolução. ‘Diga lá no seu país que o Egipto é um país diferente e que as pessoas estão felizes’: disse-nos. Nesta altura, estávamos no Cairo há dois dias. Exactamente um mês depois do início do processo revolucionário. O contraste entre o fervilhar das ruas e da praça Tahrir com o Cairo de há uns meses não podia ser maior. Aeroporto e hotéis vazios e, do outro lado, presença constante, persistência e insistência, mesmo com a lei do recolher obrigatório à meia-noite.
Esta foi a terceira vez que fui ao Cairo desde que iniciei o trabalho no Parlamento Europeu assumindo as funções de vice-presidente da delegação para as relações com o Egipto e os restantes países do Maxereque. E esta terceira vez não foi mesmo igual às anteriores. Os interlocutores já não foram os do regime. Mubarak tinha ido. As reuniões não foram dominadas pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, mas pelas forças da oposição. Pela primeira vez, movimentos feministas, partidos ‘ilegais’ e alguns, poucos, que já antes estavam na oposição e o diziam, ainda que esse dizer lhes tenha custado a prisão, falaram sem restrições. Apesar das dúvidas e hesitações sobre o futuro, falou-se, e muito, sem o peso da clandestinidade. Que o futuro é incerto, disso não restam dúvidas. Mas o Egipto mudou, e isso é o primeiro adquirido. ‘Seja o que for que aí vem, não será o mesmo’, ouvi em cada conversa.
Sabemos que as grandes mudanças sociais são aquelas que são imperceptíveis até um dia. Uma geração jovem e qualificada, farta de precariedade e de ausência de respostas, fez a diferença. Uma diferença que começou a ser traçada há seis anos atrás, recorrendo a ferramentas como os blogs e grupos na internet, com a denúncia das condições de trabalho em fábricas locais e das greves que os trabalhadores faziam e o regime silenciava. O mesmo regime que controlou e foi cortando essas redes, mas que foi incapaz de impedir uma greve geral convocada para 6 de Abril de 2008.
Como não há bela sem senão, acabou por ser o ministro do Interior, actual primeiro-ministro demissionário, quem publicitou a onda que se estava a consolidar e, ao invés de a bloquear, deu-lhe força. Depois veio o facebook. Essa ferramenta, ao contrário das outras, mostrou ser imune aos bloqueios do regime. E, afinal, o que começou por ser uma mobilização colectiva contra o ministro do Interior transformou-se numa revolução. Os acontecimentos na Tunísia e a adesão da população aos protestos dos jovens assim o ditaram. Passou um mês, a resistência mantém-se, assim como as opções em aberto para a transição democrática. Mubarak foi-se. Falta garantir que não subsiste um Estado militar e que vinga a democracia. A luta, essa, continua.”
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Marisa Matias, Deputada do BE
“O senhor que conduzia o táxi que nos levou de volta ao hotel não conseguia falar de outra coisa que não fosse da revolução. ‘Diga lá no seu país que o Egipto é um país diferente e que as pessoas estão felizes’: disse-nos. Nesta altura, estávamos no Cairo há dois dias. Exactamente um mês depois do início do processo revolucionário. O contraste entre o fervilhar das ruas e da praça Tahrir com o Cairo de há uns meses não podia ser maior. Aeroporto e hotéis vazios e, do outro lado, presença constante, persistência e insistência, mesmo com a lei do recolher obrigatório à meia-noite.
Esta foi a terceira vez que fui ao Cairo desde que iniciei o trabalho no Parlamento Europeu assumindo as funções de vice-presidente da delegação para as relações com o Egipto e os restantes países do Maxereque. E esta terceira vez não foi mesmo igual às anteriores. Os interlocutores já não foram os do regime. Mubarak tinha ido. As reuniões não foram dominadas pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, mas pelas forças da oposição. Pela primeira vez, movimentos feministas, partidos ‘ilegais’ e alguns, poucos, que já antes estavam na oposição e o diziam, ainda que esse dizer lhes tenha custado a prisão, falaram sem restrições. Apesar das dúvidas e hesitações sobre o futuro, falou-se, e muito, sem o peso da clandestinidade. Que o futuro é incerto, disso não restam dúvidas. Mas o Egipto mudou, e isso é o primeiro adquirido. ‘Seja o que for que aí vem, não será o mesmo’, ouvi em cada conversa.
Sabemos que as grandes mudanças sociais são aquelas que são imperceptíveis até um dia. Uma geração jovem e qualificada, farta de precariedade e de ausência de respostas, fez a diferença. Uma diferença que começou a ser traçada há seis anos atrás, recorrendo a ferramentas como os blogs e grupos na internet, com a denúncia das condições de trabalho em fábricas locais e das greves que os trabalhadores faziam e o regime silenciava. O mesmo regime que controlou e foi cortando essas redes, mas que foi incapaz de impedir uma greve geral convocada para 6 de Abril de 2008.
Como não há bela sem senão, acabou por ser o ministro do Interior, actual primeiro-ministro demissionário, quem publicitou a onda que se estava a consolidar e, ao invés de a bloquear, deu-lhe força. Depois veio o facebook. Essa ferramenta, ao contrário das outras, mostrou ser imune aos bloqueios do regime. E, afinal, o que começou por ser uma mobilização colectiva contra o ministro do Interior transformou-se numa revolução. Os acontecimentos na Tunísia e a adesão da população aos protestos dos jovens assim o ditaram. Passou um mês, a resistência mantém-se, assim como as opções em aberto para a transição democrática. Mubarak foi-se. Falta garantir que não subsiste um Estado militar e que vinga a democracia. A luta, essa, continua.”
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