O
título que deixamos acima é uma das expressões mais significativas do excerto
de um artigo de opinião (*) que transcrevemos do Público de hoje, alusivo ao
futuro da segurança social que é preciso preservar a todo o custo ainda que nos
queiram fazer crer que está moribunda e com morte enunciada. Estamos apenas
perante opções políticas e ideológicas cuja finalidade é, sobretudo, passar para
a esfera privada funções sociais do Estado altamente lucrativas. Sobre este
tema PS, PSD e CDS têm opiniões muito parecidas ainda que em tempo de campanha
eleitoral pretendam diferenciar-se perante os cidadãos.
O
texto seguinte é, pois, uma chamada de atenção muito importante para não nos deixarmos
iludir sobre uma pretensa inevitabilidade do desmantelamento da Segurança
Social pública.
Dizem
que o Estado está "teso" porque aumentou a esperança de vida e o
desemprego não parou de crescer. Considero que existe uma relação directa entre
uma democracia saudável e a capacidade do Estado em promover bem-estar social e
qualidade de vida, protegendo as pessoas em situação de vulnerabilidade,
nomeadamente na doença, no desemprego e na velhice. A qualidade da democracia
pode ser avaliada pela capacidade do Estado proporcionar aos cidadãos o acesso
a bens, equipamentos e serviços públicos de qualidade.
Quero
dizer com isto que quando um Governo destrói, com medidas políticas, o Estado
Social, está a pôr em causa a democracia e o próprio regime democrático. Dizem
os entendidos e os especialistas ao serviço do regime que sem criação de
riqueza, sem crescimento económico e sem aumento da produtividade é muito
difícil o Estado ter recursos para praticar políticas sociais generosas.
Aparentemente, isto é verdade. Mas todos sabemos que em Portugal sempre que
houve crescimento económico e aumento de produtividade, a riqueza foi muito mal
distribuída. As políticas de protecção foram sempre de mínimos: salário mínimo,
rendimento mínimo, abono de família mínimo, pensões mínimas, subsídio de
desemprego de valor mínimo. Estou de acordo que é necessário existirem recursos,
mas também vontade política para garantir dignidade à vida das pessoas.
Estas
políticas do nosso Estado providência tornaram ao longo dos anos a pobreza
menos severa, mas nunca contribuíram para autonomizar, libertar e emancipar os
pobres da sua condição de exclusão social e dependência.
Também
é muito frequente ouvir nos fóruns e debates subordinados a este assunto,
prestigiados estudiosos afirmarem que o défice do Estado, a dívida e os
desequilíbrios das contas públicas resultam do Estado ter gasto muito dinheiro
com a protecção dos mais frágeis e com aqueles que socialmente são mais
desfavorecidos. Sem memória e sem ética, estes académicos esqueceram-se de
referir que a dívida privada dos bancos se tornou dívida pública e que agora
todos estamos a pagar o buraco do BPN e do BES. Todos estamos a pagar a fuga ao
pagamento de impostos de grandes empresas, as rendas das parcerias
público-privadas, os prejuízos dos produtos tóxicos derivados da compra de
Swaps de algumas empresas públicas. Tudo isto — associado à gestão de
desperdício da máquina do Estado, à irresponsabilidade e à ganância financeira
— arrastou Portugal para o monstro da dívida. Não foram os pobres que
hipotecaram o país. Não foram os que sempre receberam salários de miséria em
empregos precários que viveram acima das suas possibilidades.
Quando
alguma elite intelectual se pronuncia sobre o futuro do Estado Social, os
argumentos parecem mais consistentes. Dizem que o Estado está "teso",
porque aumentou a esperança de vida e o desemprego não parou de crescer. Isto é
verdade. A despesa com os idosos tornou-se mais elevada, o Estado paga reformas
durante mais tempo, os cuidados de saúde e as comparticipações para integração
em lares. Tudo isto causa desequilíbrio no orçamento da segurança social. Com o
desemprego sempre a subir aumenta a despesa em subsídio de desemprego e não
entram receitas na caixa da segurança social com os descontos provenientes do
trabalho. Aumenta assim a despesa do Estado em protecção social e diminuem as
receitas nos seus cofres. Este argumento pode criar desequilíbrio, mas não
gerar ruptura e falência do sistema. Os novos processos de recomposição social
são notórios e indisfarçáveis. A necessidade de proteger as pessoas de novos
riscos também é real
Perante
este desafio é necessário tomar medidas para salvar o Estado Social. O discurso
da inevitabilidade serve determinados interesses, por isso não tem existido
vontade política para encontrar uma solução. As receitas para darem músculo ao
Estado Social podem aumentar se tivermos coragem e saber científico para
combater as causas estruturantes do problema.
Todos
sabemos que o desemprego pode ser combatido se as leis do mercado de trabalho
forem alteradas. O desemprego pode diminuir se as políticas de emprego forem
diferentes e se a estrutura produtiva se modificar. Mesmo sabendo que esta é a
raiz do problema, ninguém quer atacar a origem do mal.
Afirmam
os altos quadros técnicos dos grandes grupos económicos que este combate para
ser eficaz teria de ser realizado já num patamar internacional. Claro que sim:
se o capital se globalizou, a luta e as soluções também podem ser globais. No
entanto, Portugal poderia, desde já, começar a fazer o seu trabalho de casa.
Será
que há vontade e determinação política para cobrar às empresas lucrativas as
dívidas que têm à Segurança Social? Que empenho existe para não deixar
prescrever estas dívidas que correspondem a milhões de euros que não entram nos
cofres da Segurança Social? Por que motivo não se altera a forma e o modelo de
contribuição para a Segurança Social? Não pela lógica do número de
trabalhadores, mas sim pelo volume de negócios e pelos lucros comprovados? Por
que motivo não se combate com meios e recursos eficazes a fuga e evasão das
contribuições à Segurança Social? Que medidas políticas estão a ser tomadas
para evitar a descapitalização da Segurança Social?
O
exemplo mais chocante consiste no seguinte: o Estado privatiza empresas
públicas lucrativas, o novo proprietário despede centenas de funcionários
dessas empresas públicas e depois tem de ser o mesmo Estado que vendeu o seu
património ao desbarato a proteger no desemprego esses trabalhadores despedidos
com os recursos dos nossos impostos e contribuições. Que belo negócio para o
capital!
A
propósito destas jogadas ideológicas, pergunto: por que motivo se vendem ao
desbarato empresas públicas lucrativas, estruturantes para o nosso tecido
empresarial? Com o lucro da EDP, dos Correios, da Galp, da PT, e de outras
empresas que fomos perdendo para a mão privada de estrangeiros, o país tinha
recursos económicos para gerir com generosidade e justiça as prestações do
Estado Social.
Que
fiscalização existe por parte do Estado às falsas falências das empresas que
mandam os trabalhadores para o desemprego e os respectivos patrões compram, em
simultâneo, carros de alta cilindrada? Por que motivo não se diversificam as
fontes de financiamento da Segurança Social? Por exemplo, uma pequena parcela
sobre o imposto arrecadado nas vendas de álcool e tabaco podia ser muito
positiva para recapitalizar a Segurança Social.
Nenhumas
destas sugestões ou propostas estão a ser consideradas. Ideologicamente,
os partidos da direita, de mãos dadas com o PS, propõem cortar hoje nas pensões
para garantir a sustentabilidade do futuro, estilhaçar o contrato entre
os contribuintes e o Estado que deve utilizar esta reserva de fundos só e
apenas na garantia de tranquilidade e bem-estar na velhice, destruir a
solidariedade entre gerações, poupar as empresas nas contribuições na
ingenuidade de que assim os empresários ao descapitalizar a Segurança Social
criarão mais emprego e as suas empresas com menos despesa se tornarão mais
competitivas. A sugestão dos contribuintes pagarem menos para a segurança
social e assim verem os seus bolsos com mais dinheiro para aumentar o consumo
privado também é anedótica e reveladora da irresponsabilidade que
consiste fazer da reforma da Segurança Social um instrumento de política
económica liberal
(*) José António Pinto, assistente social
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