quinta-feira, 18 de junho de 2015

“NÃO FORAM OS POBRES QUE HIPOTECARAM O PAÍS”


O título que deixamos acima é uma das expressões mais significativas do excerto de um artigo de opinião (*) que transcrevemos do Público de hoje, alusivo ao futuro da segurança social que é preciso preservar a todo o custo ainda que nos queiram fazer crer que está moribunda e com morte enunciada. Estamos apenas perante opções políticas e ideológicas cuja finalidade é, sobretudo, passar para a esfera privada funções sociais do Estado altamente lucrativas. Sobre este tema PS, PSD e CDS têm opiniões muito parecidas ainda que em tempo de campanha eleitoral pretendam diferenciar-se perante os cidadãos.
O texto seguinte é, pois, uma chamada de atenção muito importante para não nos deixarmos iludir sobre uma pretensa inevitabilidade do desmantelamento da Segurança Social pública.
Dizem que o Estado está "teso" porque aumentou a esperança de vida e o desemprego não parou de crescer. Considero que existe uma relação directa entre uma democracia saudável e a capacidade do Estado em promover bem-estar social e qualidade de vida, protegendo as pessoas em situação de vulnerabilidade, nomeadamente na doença, no desemprego e na velhice. A qualidade da democracia pode ser avaliada pela capacidade do Estado proporcionar aos cidadãos o acesso a bens, equipamentos e serviços públicos de qualidade.
Quero dizer com isto que quando um Governo destrói, com medidas políticas, o Estado Social, está a pôr em causa a democracia e o próprio regime democrático. Dizem os entendidos e os especialistas ao serviço do regime que sem criação de riqueza, sem crescimento económico e sem aumento da produtividade é muito difícil o Estado ter recursos para praticar políticas sociais generosas. Aparentemente, isto é verdade. Mas todos sabemos que em Portugal sempre que houve crescimento económico e aumento de produtividade, a riqueza foi muito mal distribuída. As políticas de protecção foram sempre de mínimos: salário mínimo, rendimento mínimo, abono de família mínimo, pensões mínimas, subsídio de desemprego de valor mínimo. Estou de acordo que é necessário existirem recursos, mas também vontade política para garantir dignidade à vida das pessoas.
Estas políticas do nosso Estado providência tornaram ao longo dos anos a pobreza menos severa, mas nunca contribuíram para autonomizar, libertar e emancipar os pobres da sua condição de exclusão social e dependência.
Também é muito frequente ouvir nos fóruns e debates subordinados a este assunto, prestigiados estudiosos afirmarem que o défice do Estado, a dívida e os desequilíbrios das contas públicas resultam do Estado ter gasto muito dinheiro com a protecção dos mais frágeis e com aqueles que socialmente são mais desfavorecidos. Sem memória e sem ética, estes académicos esqueceram-se de referir que a dívida privada dos bancos se tornou dívida pública e que agora todos estamos a pagar o buraco do BPN e do BES. Todos estamos a pagar a fuga ao pagamento de impostos de grandes empresas, as rendas das parcerias público-privadas, os prejuízos dos produtos tóxicos derivados da compra de Swaps de algumas empresas públicas. Tudo isto — associado à gestão de desperdício da máquina do Estado, à irresponsabilidade e à ganância financeira — arrastou Portugal para o monstro da dívida. Não foram os pobres que hipotecaram o país. Não foram os que sempre receberam salários de miséria em empregos precários que viveram acima das suas possibilidades.
Quando alguma elite intelectual  se pronuncia sobre o futuro do Estado Social, os argumentos parecem mais consistentes. Dizem que o Estado está "teso", porque aumentou a esperança de vida e o desemprego não parou de crescer. Isto é verdade. A despesa com os idosos tornou-se mais elevada, o Estado paga reformas durante mais tempo, os cuidados de saúde e as comparticipações para integração em lares. Tudo isto causa desequilíbrio no orçamento da segurança social. Com o desemprego sempre a subir aumenta a despesa em subsídio de desemprego e não entram receitas na caixa da segurança social com os descontos provenientes do trabalho. Aumenta assim a despesa do Estado em protecção social e diminuem as receitas nos seus cofres. Este argumento pode criar desequilíbrio, mas não gerar ruptura e falência do sistema. Os novos processos de recomposição social são notórios e indisfarçáveis. A necessidade de proteger as pessoas de novos riscos também é real
Perante este desafio é necessário tomar medidas para salvar o Estado Social. O discurso da inevitabilidade serve determinados interesses, por isso não tem existido vontade política para encontrar uma solução. As receitas para darem músculo ao Estado Social podem aumentar se tivermos coragem e saber científico para combater as causas estruturantes do problema.
Todos sabemos que o desemprego pode ser combatido se as leis do mercado de trabalho forem alteradas. O desemprego pode diminuir se as políticas de emprego forem diferentes e se a estrutura produtiva se modificar. Mesmo sabendo que esta é a raiz do problema, ninguém quer atacar a origem do mal.
Afirmam os altos quadros técnicos dos grandes grupos económicos que este combate para ser eficaz teria de ser realizado já num patamar internacional. Claro que sim: se o capital se globalizou, a luta e as soluções também podem ser globais. No entanto, Portugal poderia, desde já, começar a fazer o seu trabalho de casa.
Será que há vontade e determinação política para cobrar às empresas lucrativas as dívidas que têm à Segurança Social? Que empenho existe para não deixar prescrever estas dívidas que correspondem a milhões de euros que não entram nos cofres da Segurança Social? Por que motivo não se altera a forma e o modelo de contribuição para a Segurança Social? Não pela lógica do número de trabalhadores, mas sim pelo volume de negócios e pelos lucros comprovados? Por que motivo não se combate com meios e recursos eficazes a fuga e evasão das contribuições à Segurança Social? Que medidas políticas estão a ser tomadas para evitar a descapitalização da Segurança Social?
O exemplo mais chocante consiste no seguinte: o Estado privatiza empresas públicas lucrativas, o novo proprietário despede centenas de funcionários dessas empresas públicas e depois tem de ser o mesmo Estado que vendeu o seu património ao desbarato a proteger no desemprego esses trabalhadores despedidos com os recursos dos nossos impostos e contribuições. Que belo negócio para o capital!
A propósito destas jogadas ideológicas, pergunto: por que motivo se vendem ao desbarato empresas públicas lucrativas, estruturantes para o nosso tecido empresarial? Com o lucro da EDP, dos Correios, da Galp, da PT, e de outras empresas que fomos perdendo para a mão privada de estrangeiros, o país tinha recursos económicos para gerir com generosidade e justiça as prestações do Estado Social.
Que fiscalização existe por parte do Estado às falsas falências das empresas que mandam os trabalhadores para o desemprego e os respectivos patrões compram, em simultâneo, carros de alta cilindrada? Por que motivo não se diversificam as fontes de financiamento da Segurança Social? Por exemplo, uma pequena parcela sobre o imposto arrecadado nas vendas de álcool e tabaco podia ser muito positiva para recapitalizar a Segurança Social.
Nenhumas destas sugestões  ou propostas estão a ser consideradas. Ideologicamente, os partidos da direita, de mãos dadas com o PS, propõem cortar hoje nas pensões para garantir a sustentabilidade do futuro, estilhaçar o contrato  entre os contribuintes e o Estado que deve utilizar esta reserva de fundos só e apenas na garantia de tranquilidade e bem-estar na velhice, destruir a solidariedade entre gerações, poupar as empresas nas contribuições  na ingenuidade de que assim os empresários ao descapitalizar a Segurança Social criarão mais emprego e as suas empresas com menos despesa se tornarão mais competitivas. A sugestão dos contribuintes pagarem menos para a segurança social e assim verem os seus bolsos com mais dinheiro para aumentar o consumo privado também é anedótica e reveladora da irresponsabilidade  que  consiste  fazer da reforma da Segurança Social um instrumento de política económica liberal
(*) José António Pinto, assistente social

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