Sem
ser preciso fazer uma análise muito minuciosa da vida de Marcelo Rebelo de Sousa
(MRS), somos levados a acreditar que não estamos diante da personalidade mais
indicada para o cargo de Presidente da República.
Filho
de um alto dignitário do regime salazarista, Baltazar Rebelo de Sousa, que chegou
a ser governador-geral de Moçambique, tudo indicava que o jovem Marcelo, com
relações muito próximas de Marcelo Caetano, viria a seguir as pisadas do pai já
que até ao dia 24 de Abril de 1974 sempre se tinha mostrado de acordo com as
linhas mais importantes da política definida pelo regime ditatorial. Estamos,
pois, perante mais um daqueles casos em que a noite de 24 para 25 de Abril de
1974 operou uma rápida metamorfose de um fascista convicto num indefectível
democrata, capaz de dar lições de democracia e de liberdade àqueles que levaram
uma vida a lutar contra a ditadura… É obra!
Por
outro lado, para além da sua conhecida retórica, o currículo político de MRS no
Portugal democrático não tem nada de relevante que revele especiais qualidades
e aptidões para mais alto magistrado do país. A imagem que a generalidade dos
portugueses tem de Marcelo, foi construída à volta da comunicação social, onde
o agora candidato se fez ler, ouvir e ver, sem dizer muita coisa relevante para
além do suporte da ideologia da direita quer esta se encontrasse representada
no poder ou não. Ainda por cima, a campanha eleitoral que está prestes a chegar
ao fim, não nos trouxe nada de novo em relação ao pensamento político de MRS pelo
que ele não tomou quaisquer compromissos perante os portugueses, ficando ao seu
arbítrio a tomada de decisões fundamentais para a vida dos portugueses. O voto
em Marcelo é um autêntico cheque em branco com as consequências que daí poderão
advir…
O
texto seguinte é um excerto de um artigo de opinião (*), que transcrevemos do
Público de hoje, sobre a personagem MRS e a sua relação com a comunicação
social.
Seja
qual for o desfecho que a campanha para as eleições presidenciais venha a ter,
média e jornalistas deveriam tomá-la como tema de reflexão. Urgentemente. E não
só sobre a maneira como cobriram a dita campanha. Sobre as prioridades que
deram a tal ou tal outro personagem ou tema. Sobre as formas de tratamento que
adotaram para abordá-los. Até porque, no fim de contas, estas e outras
interrogações se põem de maneira geral e constante no que diz respeito à
maneira como a informação é concebida neste país…
Mas
a principal interrogação que as eleições presidenciais propõem é a que diz
respeito a Marcelo Rebelo de Sousa. Um personagem nascido e criado na fina-flor
do salazarismo, denunciador de comunistas ou simples opositores ao regime, que
depois do 25 de Abril se pôs a utilizar os média para intrigar e manobrar. Nas
célebres páginas 2 e 3 do Expresso, primeiro. Depois no Semanário
e bastante mais tarde na dupla penúltima página do Sol.
Paralelamente na TSF e em seguida na TVI,
na RTP e de novo na TVI.
A
aberração jornalística
A
dupla página no Expresso como no Sol
e a emissão dominical na TVI (para falar apenas naquelas
a que pudemos ter pessoalmente acesso) constituíam em termos jornalísticos
perfeitas aberrações. Em termos de tamanho (gigantesco), de escrita
(singularmente descosida) e de temática (exageradamente saltitante), nenhum
média europeu norteado por princípios profissionais teria aceitado assumi-los.
Até porque não tinham parentesco algum com o que pretendiam ser: análise
política. Mas também porque nenhum média jornalisticamente decente admitiria
que um antigo dirigente político, indesmentível e permanente militante
partidário, pudesse ter a pretensão de fazer análise política, género
jornalístico que tem por autoria politólogos ou jornalistas seniores altamente
especializados.
Não
impede que, durante os quatro decénios de democracia, Rebelo de Sousa se tenha
feito pagar principescamente para marcar presença. Para se fazer ler. Para se
fazer ouvir. Para se fazer ver. Para fazer o seu “show”. Para, na altura que
viesse a achar mais apropriada, viesse a candidatar-se à Presidência da
República. Sem necessidade de fazer uma campanha de imagem dispendiosa, porque
a imagem já tinha sido feita e até lhe tinha sido sumptuosamente paga.
Rebelo
de Sousa conseguiu assim uma proeza bem superior à de Silvio Berlusconi. Porque
Berlusconi teve que esforçadamente construir pouco a pouco um império
mediático, antes de pretender ser chefe de partido político e primeiro ministro
em Itália. Rebelo de Sousa não construiu nada (à parte a sua imagem), pouco
assumiu em termos de responsabilidades políticas, pouco produziu em qualquer
domínio de importância e agora nem sequer é candidato a responsabilidades
difíceis, problemáticas e com duração incerta, mas apenas a uma função
sobretudo de puro decoro. E foi pago para isso, dizendo tudo e o contrário de
tudo em matérias em que muitas vezes nada conhecia, sem contraditor, em total
impunidade política e jornalística.
(*) J.M.
Nobre-Correia
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