terça-feira, 26 de janeiro de 2016

PRIVILÉGIO IMORAL


O tema “subsídios vitalícios” deve ter sido o prato forte da última semana de campanha eleitoral e provavelmente terá influenciado, em maior ou menor grau, a alteração do sentido de voto de muitos eleitores. A ter acontecido este facto, Maria de Belém foi, de certeza atingida em cheio, por culpa própria e vai ter de pagar um preço muito elevado – em todos os sentidos – pelo erro que cometeu.
Para além de outras considerações, não faz qualquer sentido que o exercício do cargo de deputado durante doze anos dê direito a um subsídio vitalício quando os portugueses têm de trabalhar cada vez mais anos na esperança de virem a receber uma magra reforma, quase à beira da morte. O que os trinta deputados do PS e do PSD, onde se inclui Maria de Belém, pretendem é um privilégio a que o comum dos cidadãos não tem qualquer hipótese de acesso. Não se trata de um direito, de tal forma que muitos deputados prescindiram voluntariamente dessa atribuição monetária imoral. Uma vergonha!
No texto seguinte que recolhemos do Diário de Coimbra da passada quinta-feira o “socialista” António Vilhena critica fortemente a “elite” que se considera merecedora de uma “reforma dourada”, não poupando mesmo os seus camaradas de partido.
Há uma “elite” em Portugal que se acha bafejada pelo sopro de um deus de sangue azul. Talvez esse deus exista e tenha feito as suas escolhas; talvez o seu rebanho ache natural, entre tantos milhões de portugueses, que haja alguns – por relevantes serviços prestados ao país, colhidos pelos seus pares –, merecedores de uma reforma dourada. O que eu quero dizer é que os deputados da nação, os que aprovam as leis na Assembleia da República, entenderam no passado que mereciam uma subvenção vitalícia, uma recompensa pela dedicação aos serviços públicos. Reconheço que ser deputado da nação é uma espécie rara: são 230 dos 10562178 portugueses, ou seja, 0,0021%. Reconheço que a democracia tem custos e que devemos dar condições aos titulares dos cargos públicos para o exercício das suas funções. Compreendo e defendo que os deputados e ministros devem ser bem pagos para atrair os melhores à causa pública. O que tem acontecido é precisamente o contrário, tem aumentado a promiscuidade entre interesses públicos e privados. Dantes o deputado era também um legislador, de que foi exemplo Almeida Santos. Mas, infelizmente, os deputados legislam pouco, deixando aos escritórios, de que alguns deputados são sócios, essa responsabilidade. Mas a questão de serviços à causa pública são muito discutíveis. Um cidadão que trabalhou a vida inteira para o Estado, com zelo e dedicação, também se dedicou à causa pública, ou seja, para o bem da sociedade e na defesa dos interesses do Estado. um deputado que trabalha doze anos, recebe como recompensa uma subvenção vitalícia. Ainda que haja uma lei que suporta este imoral privilégio, não é ético nem politicamente defensável. O povo costuma dizer que o exemplo vem de cima, mas neste caso é o “mau exemplo”. O que me choca, e à maioria dos portugueses, é identificar entre os deputados que recorreram ao Tribunal Constitucional, alguns nomes, inclusive do meu partido a defenderem a subvenção vitalícia. É nestes momentos que apetece sair á rua e jogar-lhes ovos podres, tomates mal cheirosos e outros perfumes fora de moda.
O povo nunca sai à rua impunemente. Há uma consciência dorida que leva à indignação e ao protesto. O poder é efémero, embora haja algumas pessoas que se julgam donos dos cargos públicos. Esquecem-se que o tempo os vai substituir indelevelmente, condená-las ao silêncio, à insignificância, à exígua voz da indiferença. Enquanto se exerce algum cargo público, fica a ilusão de que o sol brilha; depois vem a noite, o breu, o vazio e o desfazer da memória de quem ergueu estátuas na areia. O tempo tem o prodígio de devolver a cada um o brilho que se semeou ao longo da viagem. Uma coisa eu sei: os bons exemplos resistem mais tempo, os maus morrem antes de a pessoa ir a enterrar.
Na política, como em quase tudo, o exemplo é a luz que deixa ver o rosto, a mão que leva a simpatia onde a ideologia não explica tudo. Mas todos sabemos que o poder estraga, muitas vezes, os bons filhos, embriaga-os de falsas sombras, tornando-os reféns da ilusão desse mesmo poder. A miopia e o medo cercam aqueles que são inseguros e inconsistentes, por isso, escudam-se onde as árvores são mais fortes, como se fosse possível ignorar a crítica ou evitar a censura.
Os subsídios vitalícios são, apenas, mais um biombo que desonra aqueles que o reivindicam.

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