O
tema “subsídios vitalícios” deve ter sido o prato forte da última semana de
campanha eleitoral e provavelmente terá influenciado, em maior ou menor grau, a
alteração do sentido de voto de muitos eleitores. A ter acontecido este facto,
Maria de Belém foi, de certeza atingida em cheio, por culpa própria e vai ter
de pagar um preço muito elevado – em todos os sentidos – pelo erro que cometeu.
Para
além de outras considerações, não faz qualquer sentido que o exercício do cargo
de deputado durante doze anos dê direito a um subsídio vitalício quando os
portugueses têm de trabalhar cada vez mais anos na esperança de virem a receber
uma magra reforma, quase à beira da morte. O que os trinta deputados do PS e do
PSD, onde se inclui Maria de Belém, pretendem é um privilégio a que o comum dos
cidadãos não tem qualquer hipótese de acesso. Não se trata de um direito, de
tal forma que muitos deputados prescindiram voluntariamente dessa atribuição
monetária imoral. Uma vergonha!
No
texto seguinte que recolhemos do Diário de Coimbra da passada quinta-feira o
“socialista” António Vilhena critica fortemente a “elite” que se considera
merecedora de uma “reforma dourada”, não poupando mesmo os seus camaradas de
partido.
Há
uma “elite” em Portugal que se acha bafejada pelo sopro de um deus de sangue
azul. Talvez esse deus exista e tenha feito as suas escolhas; talvez o seu
rebanho ache natural, entre tantos milhões de portugueses, que haja alguns –
por relevantes serviços prestados ao país, colhidos pelos seus pares –,
merecedores de uma reforma dourada. O que eu quero dizer é que os deputados da
nação, os que aprovam as leis na Assembleia da República, entenderam no passado
que mereciam uma subvenção vitalícia, uma recompensa pela dedicação aos
serviços públicos. Reconheço que ser deputado da nação é uma espécie rara: são
230 dos 10562178 portugueses, ou seja, 0,0021%. Reconheço que a democracia tem
custos e que devemos dar condições aos titulares dos cargos públicos para o
exercício das suas funções. Compreendo e defendo que os deputados e ministros
devem ser bem pagos para atrair os melhores à causa pública. O que tem
acontecido é precisamente o contrário, tem aumentado a promiscuidade entre
interesses públicos e privados. Dantes o deputado era também um legislador, de
que foi exemplo Almeida Santos. Mas, infelizmente, os deputados legislam pouco,
deixando aos escritórios, de que alguns deputados são sócios, essa
responsabilidade. Mas a questão de serviços à causa pública são muito
discutíveis. Um cidadão que trabalhou a vida inteira para o Estado, com zelo e
dedicação, também se dedicou à causa pública, ou seja, para o bem da sociedade
e na defesa dos interesses do Estado. um deputado que trabalha doze anos,
recebe como recompensa uma subvenção vitalícia. Ainda que haja uma lei que
suporta este imoral privilégio, não é ético nem politicamente defensável. O
povo costuma dizer que o exemplo vem de cima, mas neste caso é o “mau exemplo”.
O que me choca, e à maioria dos portugueses, é identificar entre os deputados
que recorreram ao Tribunal Constitucional, alguns nomes, inclusive do meu
partido a defenderem a subvenção vitalícia. É nestes momentos que apetece sair
á rua e jogar-lhes ovos podres, tomates mal cheirosos e outros perfumes fora de
moda.
O
povo nunca sai à rua impunemente. Há uma consciência dorida que leva à
indignação e ao protesto. O poder é efémero, embora haja algumas pessoas que se
julgam donos dos cargos públicos. Esquecem-se que o tempo os vai substituir
indelevelmente, condená-las ao silêncio, à insignificância, à exígua voz da
indiferença. Enquanto se exerce algum cargo público, fica a ilusão de que o sol
brilha; depois vem a noite, o breu, o vazio e o desfazer da memória de quem
ergueu estátuas na areia. O tempo tem o prodígio de devolver a cada um o brilho
que se semeou ao longo da viagem. Uma coisa eu sei: os bons exemplos resistem
mais tempo, os maus morrem antes de a pessoa ir a enterrar.
Na
política, como em quase tudo, o exemplo é a luz que deixa ver o rosto, a mão
que leva a simpatia onde a ideologia não explica tudo. Mas todos sabemos que o
poder estraga, muitas vezes, os bons filhos, embriaga-os de falsas sombras,
tornando-os reféns da ilusão desse mesmo poder. A miopia e o medo cercam
aqueles que são inseguros e inconsistentes, por isso, escudam-se onde as
árvores são mais fortes, como se fosse possível ignorar a crítica ou evitar a
censura.
Os subsídios vitalícios são,
apenas, mais um biombo que desonra aqueles que o reivindicam.
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