Se
em política “tudo o que parece é”, o recente caso da morte de um doente com
ruptura de aneurisma cerebral, devido à ausência de tratamento adequado, leva o
cidadão comum a associar esta tragédia evitável aos cortes levados a cabo pelo
Governo PSD/CDS na área da saúde. E talvez não esteja muito longe da realidade,
pelo que nos é dado perceber através de muitas tomadas de posição de
conhecedores profundos da matéria em causa. O que, muito provavelmente nunca
chegaremos a saber de fonte segura é a extensão das mortes e de muitos danos na
saúde dos portugueses, com origem nas poupanças ordenadas por Paulo Macedo, Ministro
da Saúde do Governo da maioria de direita.
Isabel
do Carmo, conhecida endocrinologista e Professora Universitária, analisa hoje,
em artigo de opinião no Público, a situação a que chegámos na área da saúde após
os cortes levados a cabo nos últimos quatro anos. Desse artigo deixamos aqui o
seguinte excerto.
Os
números falam por si. Em Maio de 2015 estavam sem médico de família atribuído
126.152 utentes na Região Norte, 150.757 no Centro, 799.006 em Lisboa e Vale do
Tejo, 42.579 no Alentejo, 114,742 no Algarve. Total: 1.233.236. Se
considerarmos que um médico de família deve ter entre 1.500 e 1.800 utentes,
façam-se contas. E contratos. Percebe-se que vão ter que se hierarquizar
prioridades e estabelecer fases, agrupamento a agrupamento. Mas têm que ser
feitas. E o custo das urgências hospitalares irá compensar, diminuindo.
De
acordo com o Sindicato dos Enfermeiros faltam 25 mil enfermeiros no nosso país.
A presença de enfermeiros nos cuidados na comunidade diminui as vindas ao
Centro de Saúde e melhora a condição das doenças crónicas; os enfermeiros
suficientes e sem estarem exaustos na enfermaria diminuem as infecções hospitalares
e há estudos que avançam uma diminuição em 7 por cento da taxa de mortalidade.
É necessário trazê-los de volta dos países para onde tiveram que emigrar. A
conta dos contratos salda-se a curto prazo com os benefícios económicos para o
SNS. Tal como é necessário não deixar fugir alguns dos melhores especialistas
médicos para os serviços privados, por razões puramente financeiras.
Tudo
isto é consequência dos cortes feitos no SNS e que são objectivos. De 2005 para
2010 o orçamento para a Saúde subiu de 5.834 milhões para 8.698 milhões; de
2012 para 2015 desceu de 9.694 milhões para 7.402. Num país que é um dos países
da Europa com menos custos per capita na Saúde e em que há mais comparticipação
que “sai do bolso” dos cidadãos, onde é que foram cortar estes milhões? Antes
de tudo no pessoal, em número, em salários e em pagamento de horas
extraordinárias. No Ministério da Saúde, entre Dezembro 2011 e 2015 o pessoal
da Saúde foi reduzido em 11,2% em número. Em orçamento muito mais. As mortes
mais visíveis estão aí para pagar a factura.
Mas
as doenças e as mortes invisíveis, as ocultas, essas não aparecerão nos jornais
e estender-se-ão por médio e longo prazo. Com um quarto da população na zona da
pobreza, não se morre de fome, mas adoece-se por carências.
A falta de nutrientes marca
as crianças e a sua aprendizagem. As infecções respiratórias dos adultos foram
mais frequentes. Os tratamentos dentários e oftalmológicos não foram feitos. A
falta de auto-estima, a depressão e os pensamentos suicidas são uma mancha de
óleo. Esta quietude da população pode aliás explicar que 62% tenham votado à
esquerda e possibilitado a solução alternativa mais surpreendente da Europa,
sem ser precedida de movimento de massas. E que agora se fale de esperança,
baixinho e com cuidado, não vão os deuses acordar.
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