quarta-feira, 6 de março de 2019

OS PROFESSORES SÃO OS ALVOS MAIS À MÃO…



O artigo de opinião que Santana Castilho assina esta quarta-feira no “Público”, em forma de carta aberta, que apresentamos a seguir, é demolidor para António Costa pois demonstra à saciedade a estratégia governamental para não cumprir a lei relativamente à contagem do tempo de serviço dos professores.
É bom recordarmos que foi com um Governo “socialista” que teve início uma monumental ofensiva contra os professores e educadores portugueses, no consulado de Sócrates, sendo ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues de má memória. Para os mais esquecidos, lembramos as duas megamanifestações de professores e educadores que então tiveram lugar. Foi a quase totalidade de um grupo profissional que se deslocou em peso, por duas vezes, a Lisboa para manifestar o seu descontentamento, situação nunca vista até agora em Portugal. Daí em diante, nunca mais parou a ofensiva contra a classe docente, constantemente acusada de tudo e do seu contrário pelos porta-vozes de PS e da direita que pululam na comunicação social.
É claro que a actual campanha tem todo o apoio de Costa que, quer gastar o mínimo possível com a educação, ao contrário do que hipocritamente afirma. Sendo a educação uma peça-chave para o desenvolvimento do país e devendo por isso mesmo ser protegida, cada Governo parece apostado em fazer pior que o anterior. Fosse esta área um qualquer sector da banca e todos os problemas financeiros estariam resolvidos…

Uma carta aberta é um recurso retórico. Uso-o para lhe dizer o que a verdade reclama. Errará se tomar esta carta por mais uma reivindicação de grémio. Não invoco qualquer argumento de autoridade por pertencer a uma classe a quem deve parte do que sabe. Escrevo-a do meu posto de observação da vida angustiada de milhares de professores, que o senhor despreza. Com efeito, cada vez que o senhor afirma que os professores são intransigentes, está antes a falar de si e do seu governo. Como pequeno manipulador que é, falta-lhe a humildade e a honestidade para reconhecer que falhou no relacionamento com os professores e recorre a uma narrativa que não resiste à confrontação com os factos. Façamo-la.
Começo por dar por transcrito o que aqui escrevi a 27/6/18, quando desmontei as repetidas falsidades que Governo e comentadores têm propalado sobre a recuperação do tempo de serviço dos professores. Nenhum dos que citei me desmentiu. Nada do que referi foi contraditado.
Em 18/11/17, o Governo comprometeu-se a contabilizar o tempo de serviço. Recentemente, disse que a parcela que verteu no decreto que Marcelo vetou prova a cedência que fez, porque no início (15/12/17) a intenção era não considerar tempo algum. Quando mentiu? A 18/11/17, a 15/12/17, recentemente, ou sempre?
O Governo mente quando diz que a posição sindical não evoluiu. Em 18/11/17, os sindicatos queriam os professores colocados a 1/1/18 no escalão correspondente a todo o tempo de serviço prestado. Ao longo da negociação foram apresentando várias formas de faseamento e modos de recuperar o tempo de serviço. No prazo e no modo, têm cedido. No tempo não, porque é a lei que o reconhece (art. 17º da Lei do OE 2019).
O senhor mente quando fala de 600 milhões. Nunca apresentou as suas contas. Os professores deixaram as contas certas na AR. Nem de metade se pode falar!
O problema não está, nem nunca esteve, no dinheiro. Está, como sempre esteve, nas mentiras e nas escolhas políticas do seu governo. Está na manipulação dos números, no abocanhar oculto de receitas injustas e nas cativações. Está nas diferenças entre os orçamentos de fachada que a “geringonça” aprovou e os orçamentos de austeridade desumana que Ronaldo Centeno executou. Numa palavra, causa-me náusea ouvi-lo dizer que não tem dinheiro para pagar o que deve aos professores, depois de ter aprovado cinco mil milhões para sustentar bancos parasitas.
O tom que usou para falar de enfermeiros e professores, que não se portam como eunucos de outros tempos, foi demasiado vulgar e não serviu a cultura cívica minimamente decente que se deseja para o país. Não se sentiu incomodado por uma ministra do seu Governo homologar um parecer onde se diz que uma greve que não afecte mais os trabalhadores do que o patrão é ilegal? Ficou tranquilo quando o seu Governo protegeu os fura-greves dos estivadores de Setúbal? Não veria a democracia em risco se pertencessem a outro governo, que não o seu, estas acometidas contra a liberdade sindical? Numa palavra, a sua arrogância tornou-se insuportável.
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Não posso concluir sem uma referência ao conforto que o Presidente da República lhe veio dar, quando perguntou: “É preferível zero ou alguma recuperação?” É estranho que um professor, para mais do cimo da mais alta cátedra da nação, pareça sugerir a outros professores que troquem a ética pela pragmática. Como se ser justo fosse equivalente a ser oportunista ou ser esperto. Fora eu o interpelado, que no caso felizmente não sou, e respondia-lhe: zero! Por dignidade mínima. Porque se a lei pudesse ser substituída pela pragmática, aqui e além, a vida moral virava simples hipocrisia. Porque o modelo de actuação de um professor não é o modelo de actuação do homo economicus, que facilmente troca a fiabilidade do seu carácter por qualquer ganho imediato. Para não aviltar quantos lutam pela justiça e são solidários com os colegas humilhados.
Termino assumindo que, para além do que lhe acabo de dizer, tenho uma posição ideológica clara: sou visceralmente contra as pedagogias propaladas por meninos crescidos, glosando como se fossem coisa nova temas como flexibilidade, autonomia e inclusão, que colocaram no fim da lista os conhecimentos essenciais à compreensão do nosso mundo e à formação de cidadãos inteiros.
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