O artigo de opinião que Santana Castilho
assina esta quarta-feira no “Público”, em forma de carta aberta, que
apresentamos a seguir, é demolidor para António Costa pois demonstra à
saciedade a estratégia governamental para não cumprir a lei relativamente à
contagem do tempo de serviço dos professores.
É bom recordarmos que foi com um Governo
“socialista” que teve início uma monumental ofensiva contra os professores e
educadores portugueses, no consulado de Sócrates, sendo ministra da Educação
Maria de Lurdes Rodrigues de má memória. Para os mais esquecidos, lembramos as
duas megamanifestações de professores e educadores que então tiveram lugar. Foi
a quase totalidade de um grupo profissional que se deslocou em peso, por duas
vezes, a Lisboa para manifestar o seu descontentamento, situação nunca vista
até agora em Portugal. Daí em diante, nunca mais parou a ofensiva contra a
classe docente, constantemente acusada de tudo e do seu contrário pelos
porta-vozes de PS e da direita que pululam na comunicação social.
É claro que a actual campanha tem todo o
apoio de Costa que, quer gastar o mínimo possível com a educação, ao contrário
do que hipocritamente afirma. Sendo a educação uma peça-chave para o
desenvolvimento do país e devendo por isso mesmo ser protegida, cada Governo
parece apostado em fazer pior que o anterior. Fosse esta área um qualquer
sector da banca e todos os problemas financeiros estariam resolvidos…
Uma carta aberta é um recurso retórico.
Uso-o para lhe dizer o que a verdade reclama. Errará se tomar esta carta por
mais uma reivindicação de grémio. Não invoco qualquer argumento de autoridade
por pertencer a uma classe a quem deve parte do que sabe. Escrevo-a do meu
posto de observação da vida angustiada de milhares de professores, que o senhor
despreza. Com efeito, cada vez que o senhor afirma que os professores são
intransigentes, está antes a falar de si e do seu governo. Como pequeno
manipulador que é, falta-lhe a humildade e a honestidade para reconhecer que
falhou no relacionamento com os professores e recorre a uma narrativa que não
resiste à confrontação com os factos. Façamo-la.
Começo por dar por transcrito o que aqui
escrevi a 27/6/18, quando desmontei as repetidas falsidades que Governo e
comentadores têm propalado sobre a recuperação do tempo de serviço dos
professores. Nenhum dos que citei me desmentiu. Nada do que referi foi contraditado.
Em 18/11/17, o Governo comprometeu-se a
contabilizar o tempo de serviço. Recentemente, disse que a parcela que verteu
no decreto que Marcelo vetou prova a cedência que fez, porque no início
(15/12/17) a intenção era não considerar tempo algum. Quando mentiu? A
18/11/17, a 15/12/17, recentemente, ou sempre?
O Governo mente quando diz que a posição
sindical não evoluiu. Em 18/11/17, os sindicatos queriam os professores
colocados a 1/1/18 no escalão correspondente a todo o tempo de serviço prestado.
Ao longo da negociação foram apresentando várias formas de faseamento e modos
de recuperar o tempo de serviço. No prazo e no modo, têm cedido. No tempo não,
porque é a lei que o reconhece (art. 17º da Lei do OE 2019).
O senhor mente quando fala de 600 milhões.
Nunca apresentou as suas contas. Os professores deixaram as contas certas na
AR. Nem de metade se pode falar!
O problema não está, nem nunca esteve,
no dinheiro. Está, como sempre esteve, nas mentiras e nas escolhas políticas do
seu governo. Está na manipulação dos números, no abocanhar oculto de receitas
injustas e nas cativações. Está nas diferenças entre os orçamentos de fachada
que a “geringonça” aprovou e os orçamentos de austeridade desumana que Ronaldo
Centeno executou. Numa palavra, causa-me náusea ouvi-lo dizer que não tem
dinheiro para pagar o que deve aos professores, depois de ter aprovado cinco
mil milhões para sustentar bancos parasitas.
O tom que usou
para falar de enfermeiros e professores, que não se portam como
eunucos de outros tempos, foi demasiado vulgar e não serviu a cultura cívica
minimamente decente que se deseja para o país. Não se sentiu incomodado por uma
ministra do seu Governo homologar um parecer onde se diz que uma greve que não
afecte mais os trabalhadores do que o patrão é ilegal? Ficou tranquilo quando o
seu Governo protegeu os fura-greves dos estivadores de Setúbal? Não veria a democracia
em risco se pertencessem a outro governo, que não o seu, estas acometidas
contra a liberdade sindical? Numa palavra, a sua arrogância tornou-se
insuportável.
Não posso concluir sem uma referência ao
conforto que o Presidente da
República lhe veio dar, quando perguntou: “É preferível zero ou alguma
recuperação?” É estranho que um professor, para mais do cimo da mais
alta cátedra da nação, pareça sugerir a outros professores que troquem a ética
pela pragmática. Como se ser justo fosse equivalente a ser oportunista ou ser
esperto. Fora eu o interpelado, que no caso felizmente não sou, e
respondia-lhe: zero! Por dignidade mínima. Porque se a lei pudesse ser
substituída pela pragmática, aqui e além, a vida moral virava simples
hipocrisia. Porque o modelo de actuação de um professor não é o modelo de
actuação do homo economicus, que facilmente troca a fiabilidade do seu
carácter por qualquer ganho imediato. Para não aviltar quantos lutam pela
justiça e são solidários com os colegas humilhados.
Termino assumindo que, para além do que lhe acabo de dizer, tenho uma
posição ideológica clara: sou visceralmente contra as pedagogias propaladas por
meninos crescidos, glosando como se fossem coisa nova temas como flexibilidade,
autonomia e inclusão, que colocaram no fim da lista os conhecimentos essenciais
à compreensão do nosso mundo e à formação de cidadãos inteiros.
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