Por incrível que possa parecer, estamos a
viver aquilo a que se poderá chamar um recuo civilizacional apesar de os
avanços tecnológicos actualmente existentes.
É claro que em tudo há sempre um lado
perverso e os meios a que no presente o homem tem acesso estão a favorecer com
clara evidência a ganância e a chegada ao poder a qualquer preço. Para este
efeito, vale o que estiver mais à mão, sem se ter em conta princípios éticos ou
quaisquer outros que valorizem o ser humano.
É à volta desta ideia que se centra o
seguinte excerto do artigo de opinião que o Prof. Santana Castilho assina no “Público”
de hoje.
Nos Estados Unidos da América, dirigidos
pelo homem que popularizou a expressão fake news, diz a Gallup que 18%
dos cidadãos acreditam que o sol gira em torno da terra, 42% afirmam que Deus
nos criou há menos de 10.000 anos e 74% dos republicanos no Senado negam a
validade das mudanças climáticas, apesar das evidências científicas aceites no
mundo. Com os olhos postos nisto e nas previsíveis campanhas de desinformação
em ano de eleições, o PS propôs a discussão do assunto no plenário da
Assembleia da República, defendendo um projecto de resolução que recomenda ao
Governo a adopção do plano de acção contra as fake news, aprovado
pela Comissão Europeia em Dezembro passado. Tratando-se de matéria em que o
Governo é exímio especialista, o êxito está garantido. Dêem-lhe espaço de
manobra e, agora que já temos uma agência espacial, Pedro Marques ainda
anunciará que seremos os segundos a pôr o pé na Lua.
Factos que se contradizem deixam-me perplexo. O que será falso? O
desvelo com que o Governo recentemente se ocupou das mulheres, a propósito do
seu dia mundial e da violência de que são alvo, ou o ódio que dispensa a duas
classes profissionais maioritariamente compostas por elas (professoras e
enfermeiras)? Não será igualmente falso um primeiro-ministro falar das vítimas
de Pedrógão enquanto pica cebola para uma cataplana, porque o que procura é a
popularidade que o avental da Cristina lhe confere? Não será falso o homem
pensar que assim se aproxima dos cidadãos, quando o problema seria fazer algo
para que os cidadãos se aproximassem dos políticos (quase 50% de abstenção)?
Como um primeiro problema só é primeiro
se existir um segundo, ao medo do Governo relativo às redes sociais juntaram-se
dois programas televisivos deprimentes, que nos fazem recuar ao século passado,
pelas humilhações degradantes e trogloditas que reservam às mulheres: “Quem
quer namorar com um agricultor?”, da SIC, e “Quem quer casar com o meu
filho?”, da TVI (mais de um milhão de espectadores cada).
A mentalidade de rebanho é ali
preponderante. A complacência intelectual continuada vai cedendo passo às
trivialidades e ao voyeurismo, que alimentam audiências orientadas para o
consumismo boçal, sem decoro nem pudor. Tudo em nome de um entretenimento
selvagem e predador, que nada acrescenta ao que socialmente importa e afasta as
massas dos verdadeiros problemas do nosso viver.
Dir-se-ia que não sabemos o que fazer com a nossa liberdade. A televisão
portuguesa, onde sobra o entretenimento, campeia o futebol e falta a análise
séria que contribua para uma informação jornalística de qualidade, soçobra às
pressões económicas que a guerra das audiências gera, enquanto os membros de
uma certa elite política parecem apenas preocupados com a criação de uma sociedade
de manequins, onde só eles, porque têm nela lugares cativos, podem decretar o
que está certo e o que é falso.
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