Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do
Bloco de Esquerda teve uma excelente ideia ao escolher como tema desta semana
do artigo de opinião que assina no “Público” as “reformas douradas dos
políticos”.
A época de pré-campanha eleitoral para as
Legislativas de Outubro é um momento propício para estes assuntos virem à tona
e perceber-se de que lado se encontra cada um dos partidos concorrentes e que
comportamento teve no passado. É inaceitável “que um detentor de um cargo
político por 12 anos conquistasse o direito a uma pensão para toda a vida como
acontecia a governantes, deputados ou autarcas”, mas é bom recordarmos a resistência que a direita e o PS mostraram ao fim
de um privilégio de um grupo que se queria apresentar como uma casta com
direitos muito acima dos restantes cidadãos deste país.
Quando a direita dos interesses, através dos seus
representantes na esfera política, começa a reivindicar, cada vez com mais
força, a “reforma do sistema eleitoral” com a criação de círculos uninominais,
percebe-se como seriam abordados os principais problemas deste país, com
deputados quase exclusivamente originários da área do bloco central. O que se
passou com os privilégios que usufruíram durante anos os detentores de cargos
políticos é bem um exemplo a ter em conta sobre o que sucederia se PS e PSD
cozinhassem a legislação em favor das suas clientelas, deixando largas franjas
da população com os seus interesses ao abandono. É bom recordarmos que a
criação de círculos uninominais levaria à quase extinção parlamentar dos
chamados pequenos partidos. É, pois, muito importante estarmos todos alerta
sobre o futuro desta ideia que só traria benefícios para os privilegiados actuais.
Tem, pois, muito interesse a leitura integral do artigo de Pedro Filipe Soares
que aqui deixamos.
“Debate-se hoje uma questão de todo
pertinente nas sociedades democráticas: será que servir a coisa pública, só por
si, já não constitui estímulo suficiente para os cidadãos? A resposta a esta
pergunta parece, dadas as mordomias, benesses e regimes de excepção previstos
no nosso ordenamento jurídico para os que servem a coisa pública, um rotundo e
cristalino não!” Este preâmbulo dava o mote ao Projeto de Lei do Bloco de
Esquerda apresentado em outubro de 2004, que marcou o início do fim
das subvenções vitalícias.
Não são direitos, são privilégios de uma
casta. Não é minimamente compreensível que um detentor de um cargo político por
12 anos conquistasse o direito a uma pensão para toda a vida como acontecia a
governantes, deputados ou autarcas. A ideia de um regime à parte para políticos
é inaceitável e inconcebível. Ainda bem que acabou.
O toque de finados do regime de
privilégio aconteceu finalmente em 2005. Mudada a composição da Assembleia da
República e com um novo Governo, apenas o CDS faltou com o seu voto para acabar
com as regalias. No entanto, fechada a porta, PS e PSD abriram a janela às
benesses, introduzindo um regime transitório que manteve as subvenções
vitalícias que já estavam em pagamento e a possibilidade de novos requerimentos
pelos deputados, governantes ou autarcas, que cumprissem os requisitos à data
do fim de regime.
Em 2013 conseguimos acabar com este
regime regime transitório, apesar de muitas vozes revoltadas pelo centrão.
Dessas vozes, um conjunto de deputados de PS e PSD fizeram um pedido de
fiscalização da constitucionalidade desta medida. O Tribunal Constitucional
deu-lhes razão e um último sopro de vida às subvenções vitalícias.
Contudo, se o enredo político mostra
como existiu muita má vontade para acabar com as reformas “douradas”, o
processo recente mostra como há muita má consciência nas pontas soltas que
subsistem. A lista dos beneficiários das subvenções vitalícias foi divulgada em
2016, após um longo braço de ferro jurídico com o Ministério do Trabalho. A
Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) deu razão à
transparência e a lista veio à praça pública: permanecem 320 beneficiários de
subvenções vitalícias. Mas foi sol de pouca dura, já que pouco tempo depois o
Ministério do Trabalho suspendeu a divulgação da lista alegando restrições do
novo regulamento da Proteção de Dados.
Questionado o ministério sobre a
decisão, logo a responsabilidade foi atirada para a Caixa Geral de Aposentações
(CGA). A transparência foi mandada para a casa de partida, reinando novamente a
opacidade. Como o apagão da lista não passou no escrutínio público, o PS veio
tentar salvar a face desta trapalhada a prometeu alterar a lei de proteção de
dados para tornar possível a divulgação dos nomes.
Só que o tempo passou e a proposta não
chegou. Afinal, virados os holofotes mediáticos para um outro tema qualquer, o
PS meteu a intenção junto com a lista: na gaveta. Foi no início da semana,
quando o tema entrou novamente no radar, que o PS foi
forçado a mais uma cambalhota e o Governo correu a legislar. Em
contra-relógio fizeram o que antes era impossível.
Poderíamos recorrer a Noam Chomsky e
dizer que se tratou de uma estratégia bem orquestrada, a tal do
problema-reacção-solução onde maquiavelicamente se cria a perceção de um
problema para potenciar uma reação e apresentar depois uma solução salvífica. É
certo que nunca houve nenhum problema legal, dado que em todo este tempo a CGA
continua a divulgar outras listas de nomes como é o caso dos funcionários
públicos que se reformam e do valor das suas pensões individuais. Mas, também,
nunca houve nenhuma vontade de divulgar a lista dos beneficiários das
subvenções vitalícias. Na verdade, tratou-se de falhar deliberadamente num dos
pilares de uma democracia: a transparência. É que a elite gosta das suas
benesses e privilégios, mas tem vergonha quando lhe apontam o dedo.
A posição indefensável do PS mostra o ridículo da ocultação das listas de
privilegiados e a defesa da casta. O sapo que o PS engoliu é a vitória da
democracia. A democracia vive de escrutínio e tem de respirar transparência,
não aceita poderes absolutos que se julgam acima da sociedade.
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