(…)
Will
Smith, que apesar de já ter feito uma graçola semelhante e de ter começado por
se rir desta, subiu ao palco para agredir o humorista.
(…)
A
violência com que o macho ferido no seu orgulho supostamente protege a sua
propriedade é um código de conduta masculino que também serve para calar as
mulheres.
(…)
Tirando
o universo e a estupidez, tudo tem limites. O humor também.
(…)
Não
adoro o humor feito à custa das pessoas mais frágeis ou oprimidas.
(…)
O
humor depende do contexto e o contexto depende de quem diz, de quem ouve e de
quando se diz e se ouve.
(…)
Só que
não são os limites do humor que estão em debate. É o limite da violência.
(…)
Sabemos
o que é o bullying e não se compara a uma piada de mau gosto.
(…)
Pelo
que vi em muitas reações, há quem ache que os limites do humor se podem definir
à bordoada.
(…)
Há
outro debate: o do privilégio. Qualquer anónimo que trepasse um palco para
agredir um artista seria expulso da sala por seguranças, levado a uma esquadra
e provavelmente julgado por agressão.
(…)
Will
Smith voltou calmamente para o seu lugar, manteve a atitude ameaçadora.
(…)
Se até
perante o mundo inteiro aquilo é possível, os humoristas deverão passar a ter
medo físico de dizer uma piada que pode ser mal recebida.
(…)
Milhões
de pessoas passaram a sentir-se legitimadas para calar a voz do outro à força.
(…)
A
liberdade continua a ser menos instintiva do que a violência.
Daniel Oliveira, “Expresso” (sem link)
A tragédia da guerra na Ucrânia expôs algumas das
fragilidades em que o projeto europeu se tem atolado. É o caso da dependência
energética.
(…)
[Compreende-se
que] as soluções de emergência se foquem no fornecimento e não no planeamento.
(…)
Há que
planear e implementar políticas que nos garantam não só segurança como
sobretudo um futuro.
(…)
A
transição energética não está em discussão e há um vasto consenso em seu redor.
(…)
Também
o consumo padece de deficiências crónicas.
(…)
Contudo,
combater esta condição continua uma charada que inviabiliza o cumprimento das
metas a que nos propusemos e o aproveitamento dos recursos que temos a favor de
toda a sociedade.
(…)
A
medida ‘Vale Eficiência’ (1300 euros+IVA) para aplicar em habitações de
famílias em pobreza energética tem andado a passo de caracol.
(…)
Não
podemos esquecer que esta crise trazida pela guerra implica estimular as
políticas de transição energética que já se desenhavam antes.
Luísa Schmidt, “Expresso” (sem link)
Mão de obra é trabalho humano inseparável
das pessoas que o executam, logo, das condições de dignidade enquanto seres
humanos e seres sociais. Não é coisa que se importe e exporte como qualquer
mercadoria.
(…)
[Ultimamente] os dirigentes patronais
surgem na Concertação Social afirmando repetidamente que também gostavam de
pagar melhor, mas que não há produtividade suficiente.
(…)
[No dia a dia repetem] que não pode haver
crescimento económico com falta de mão de obra. Ora, o problema é
que pode e deve.
(…)
[Deve-se] aumentar a quantidade produzida
por dia de trabalho e/ou o valor criado por unidade produzida.
(…)
[A produtividade depende, para além] do
esforço dos trabalhadores de uma melhor colocação das empresas nas cadeias de
valor, da melhoria de investimento em tecnologias, em organização do trabalho e
em eficácia de gestão.
(…)
Se forem acolhidos [trabalhadores
estrangeiros] com ofertas de trabalho mal remuneradas, esses imigrantes estarão
entre nós apenas o tempo necessário para poderem imigrar de novo.
(…)
O apelo à "importação de mão de
obra", (…) é indigno quanto à linguagem, revela conceções culturais,
económicas e sociais retrógradas, e é fútil quanto ao resultado que promete.
A história vive um tempo de grandes ambiguidades.
(…)
A banalização
reduz tudo a ela.
(…)
A factualização remete para uma observação do passado
limitada aos factos mais sonoros, sem trabalho de contextualização e de análise
crítica.
(…)
Já a manipulação respeita ao modo como as referências ao
passado servem sobretudo para legitimar interesses do presente.
(…)
Afirmar, em relação a episódios que presenciamos, que «sempre
foi assim», querendo com isto dizer que, na realidade, pouco ou nada muda, é um
erro enorme, pois isto, não só não é verdadeiro, como serve para legitimar a
apatia e a incapacidade de trabalhar para um aperfeiçoamento das sociedades.
(…)
A vida coletiva deixa, desta forma, de ser projetada no
sentido da sua gradual melhoria, desde o passado até ao futuro, limitando-se à
mera gestão do dia a dia.
(…)
[O presentismo] retoma de certa forma esta ideia,
considerando a impossibilidade de alterar em profundidade a ordem do mundo.
(…)
É de presentismo que se fala quando certas interpretações a
resumem a um conflito de gestão de natureza essencialmente regional.
(…)
Esta guerra é, de facto, um episódio da nova «Segunda Guerra
Fria», cujo lastro entronca no final da anterior, ocorrido há já mais de três
décadas.
(…)
O conflito possui, pois, uma escala global, e só nesta pode
ser entendido.
Rui Bebiano, “Diário as beiras”
Verdadeiramente,
a Rússia só está em guerra com a Ucrânia porque está em guerra com a NATO, uma
organização cujo supremo comandante aliado para a Europa é “tradicionalmente um comandante norte-americano”.
(…)
Por
sua vez, os EUA estão apostados desde o final da primeira Guerra Fria em
aprofundar a derrota da Rússia, uma derrota que foi talvez mais auto-infligida
do que provocada pela superioridade do adversário.
(…)
A guerra
da Ucrânia está sujeita ao objectivo de inflingir uma derrota incondicional à
Rússia que, de preferência, tem de durar até a provocar o regime change em Moscovo.
(…)
Hoje, a Europa é um canto do mundo, e a guerra da Ucrânia
torná-lo-á ainda mais pequeno.
(…)
A
guerra da Ucrânia, sobretudo se se prolongar, corre o risco, não só de amputar
a Europa de uma das suas potências históricas (a Rússia), como de a isolar do
resto do mundo e, muito especialmente, da China.
(…)
Vistos
com óculos não europeus, a Europa e os EUA estão orgulhosamente quase sós,
talvez capazes de ganhar uma batalha, mas certamente a caminho da derrota na
guerra da história.
Boaventura Sousa Santos, “Público” (sem link)
Sem comentários:
Enviar um comentário