quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

MODELOS DE GESTÃO FLORESTAL: UMA ALTERNATIVA


No seguinte artigo de opinião assinado pelo deputado do Bloco de Esquerda, Carlos Matias, no Público de hoje, é colocado em causa o modelo de gestão florestal proposto pelo Governo uma vez que, “independentemente de eventuais boas intenções, não resolve os problemas estruturais da floresta, não é seguro que limite a expansão do eucalipto, abre caminho aos interesses dos maiores atores florestais e coloca em causa os pequenos produtores”. Em contraponto, Carlos Matias faz uma proposta alternativa muito concreta e de fácil compreensão mesmo para um não especialista na matéria.
Os incêndios florestais do passado Verão tornaram evidente a insuficiência de uma política centrada no combate ao fogo já deflagrado, menorizando a prevenção, o ordenamento e a gestão da floresta. No país, 98% da propriedade florestal é privada. A norte do Tejo é extremamente pulverizada, em parcelas de pequeníssima dimensão.
A efetiva exploração destas parcelas só existirá se for sustentável, sendo que, ao mesmo tempo, deverá ser integrada em planos de ordenamento florestal que assumam medidas de prevenção e defesa ambiental. As supostas propriedades “sem dono” são, de facto e em geral, propriedades cujos donos as não exploram. Mas que aparecerão, apenas lhes seja proposta uma alternativa sustentável.
No que se refere ao ordenamento e à proteção contra incêndios, a Lei de Bases da Política Florestal e o Decreto-Lei 124/2006 fixam normas claras. Mas o seu incumprimento é reiterado. Os principais beneficiários do caos que vive a floresta são os primeiros interessados em que tudo assim continue.
Temos de encontrar uma alternativa que potencie as zonas de intervenção florestal, cujas limitações são conhecidas. Há que adotar uma gestão respeitadora dos pequenos produtores, promotora da sustentabilidade do rendimento, incentivando a exploração profissional da floresta, a sua função ambiental e ocupação do território. E contribuir para o ordenamento.
A solução passa pela criação de unidades de gestão florestal que promovam a agregação de proprietários de parcelas adjacentes, através de fórmula associativa ou cooperativa à sua escolha. A atribuição de personalidade jurídica a estas unidades permitirá uma gestão profissional, potencialmente mais rentável, em amplas áreas contínuas de floresta. Esta é a base para um cumprimento das boas práticas silvícolas de prevenção dos incêndios, em áreas de minifúndio, com diversificação do mosaico florestal e evitando a dominante monocultura do inflamável eucalipto.
Que tem este modelo que ver com a proposta de sociedades de gestão florestal (SGF) do Governo? ­Nada. As SGF propostas serão constituídas por investidores que irão explorar parcelas próprias ou de terceiros. A flexibilidade para a tipologia destas sociedades é, na proposta do Governo, extremamente liberal. Por hipótese, poderá dar lugar a que os famosos fundos de investimento possam tomar parte nessa “gestão” da floresta. No limite, um grande grupo industrial ou financeiro poderá dominar a 100% uma empresa que se proponha gerir inúmeras pequeníssimas parcelas, de muitos pequeníssimos proprietários.
É óbvio que as celuloses ou os madeireiros que venham a dominar o capital das tais SGF (para só falar nos mais óbvios interessados) têm interesses contraditórios com os milhares de pequenos proprietários. Explorarão de acordo com os seus interesses e não com os dos donos das pequenas e microparcelas.
Governo parte do princípio de que uma gestão “profissional”, só por si, tornará rentáveis propriedades de meio, um, ou cinco hectares sem continuidade. Os 100 hectares que, no mínimo, terão de ser geridos por uma SGF poderão inclusivamente estar repartidos por várias dezenas de propriedades, em vários concelhos. Que milagrosa “gestão profissional” as tornará rentáveis sem que esteja assegurada uma área florestal contínua que lhe confira racionalidade?
Ao não assegurarem a gestão em mancha contínua, as SGF não contribuem para o ordenamento florestal, sempre esquecido, na hora de criar as condições materiais para que ele efetivamente avance.
A consequência previsível é o confisco, de facto ou de direito, de milhares de terras de pequeníssimos proprietários. Uns porque não resistem ao confronto com os tubarões do negócio da floresta; outros porque as suas terras são dadas como “sem dono”.
A reforma florestal do Governo, independentemente de eventuais boas intenções, não resolve os problemas estruturais da floresta, não é seguro que limite a expansão do eucalipto, abre caminho aos interesses dos maiores atores florestais e coloca em causa os pequenos produtores.

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