O
cidadão comum que segue com alguma atenção as cimeiras do clima está certamente
à beira de um ataque de nervos pois, retórica atrás de retórica, chega à
conclusão de que os progressos são quase insignificantes face ao agravamento
das alterações climáticas em curso.
Por
uma razão ou por outra as grandes potências, com os EUA à cabeça, responsáveis
pela degradação do clima à escala mundial, constituem-se como evidentes
sabotadores de reuniões como a que agora terminou, a COP23. A ideia que fica é
que se mexe em alguma coisa para que tudo fique na mesma e os grandes
interesses não sejam beliscados, em prol de uma pequena minoria. Entretanto,
todos os dias nos chegam notícias de que a realidade climática já não pode
esperar, a menos que se queira chegar a um ponto sem retrocesso.
O
último parágrafo do seguinte artigo de opinião de João Camargo, investigador em
Alterações Climáticas, que transcrevemos do “Público” de ontem deixa bem
patente o pessimismo do autor e a convicção de que “apenas
as acções concretas de movimentos e populações” podem obrigar os governos a
tomar medidas significativas em defesa da manutenção da vida na Terra. (sublinhado nosso)
Concluída a COP-23, os resultados
concretos não ultrapassaram a agenda: construir um documento que especificasse
algumas regras para a implementação do Acordo de Paris, que será aprovado na
próxima Cimeira do Clima, em 2018, na Polónia. As centenas de páginas do
documento são o primeiro esboço para as regras de opções de redução de
emissões, transferência de tecnologia e meios financeiros para os países mais
pobres, assim como para padrões globais de contabilização das emissões, que
durante o próximo ano estarão em discussão. O problema é que esta discussão
começou em 1990.
As notícias que nos chegam do clima, ao
contrário das notícias sobre a cimeira, não são banais: em 2017 as emissões de
dióxido de carbono voltaram a subir, depois de três anos de estagnação, péssimo
sinal em termos de viabilidade de travar o aumento da temperatura nos 2ºC. A
Síria assinou o Acordo de Paris, o que faz com que os Estados Unidos da América
se tornem oficialmente o único país do mundo que está fora do acordo para
salvar a Humanidade do colapso. Esta é a posição histórica dos EUA: o país mais
responsável pelas alterações climáticas da História, maior poluidor em termos
cumulativos e maior produtor mundial de combustíveis fósseis, é o sabotador-mor
de negociações sobre o clima. Trump, ainda assim, mandou uma comitiva a Bona,
onde decorreu a cimeira, para promover a energia nuclear e o carvão como forma
de “combater” as alterações climáticas.
Macron e Merkel aproveitaram o
facto de a cimeira das ilhas Fiji ter sido deslocada para o seu território para
afirmar “liderança climática”, substituindo os EUA no papel de líder de combate
às alterações climáticas (o que deixa muitas dúvidas, considerando tudo o que
fez a liderança americana). As contradições alemãs foram expostas em duas
acções de desobediência civil: na véspera da COP-23, a invasão das minas de
carvão do Reno, e na segunda semana da COP a invasão da central térmica a
carvão de Weisweiler, da RWE. Em plenas negociações para a formação de um
governo na Alemanha, as discussões entre o partido de Merkel, os Verdes e os
Liberais têm como polémica o fim do carvão na Alemanha, com o qual Merkel não
se compromete (neste momento, o Estado subsidia o carvão em 3,2 mil milhões de
euros anuais).
A próxima cimeira verá novamente esta polémica
presente, já que a Polónia é o principal promotor do carvão na Europa. Em
sentido contrário, 25 países (incluindo Portugal, Reino Unido, França, Itália e
Canadá) assinaram um compromisso para acabar com a utilização de carvão até
2030, selando o destino das centrais térmicas de Sines e do Pego (que importa
encerrar o mais rápido possível).
No curto-prazo, foi revelado que os
compromissos nacionais entregues em 2015 para o Acordo de Paris só conseguirão
cerca de um terço dos cortes de emissões necessários até 2030 e que o
compromisso de financiar a acção climática em 100 mil milhões de dólares por
ano continua muito longe de se tornar realidade.
Mas a parte “bem-sucedida” da COP-23
foram os negócios à volta das “oportunidades” das alterações climáticas: as
resseguradoras lançaram um esquema de micro-seguros para 400 milhões de pessoas
pobres em zonas de risco, parcerias público-privadas em que os Estados assumem
os riscos e as seguradoras ganham milhões de clientes. Anunciou-se a expansão
do Comércio Europeu de Licenças de Emissões, que integrará a China e
possivelmente a Califórnia. Este sistema de especulação com emissões rendeu 22
mil milhões de euros em 2016 e 26 mil milhões de euros em 2015. Entretanto, em
termos de emissões fica por saber se esse dinheiro todo produziu uma só
tonelada de dióxido de carbono não emitida, além de ter sido utilizado para
reinvestir na indústria dos combustíveis fósseis. Anunciado como vitória pela
UE, este sistema bloqueia a transição energética, entre outros, nos produtores
de cimento e de aço. Foi ainda revelado que o Plano Juncker garantiu, com
dinheiro do orçamento da União Europeia, pelo menos 1,85 mil milhões de euros
em empréstimos arriscados à indústria fóssil.
Entre o que se promete cortar e o que
realmente se corta, entre o que se declara emitir e o que realmente se emite,
entre o tempo em que se diz que se vai cortar e o tempo em que se corta mesmo e
entre o efeito de certas propostas e a realidade concreta das mesmas, os
adiamentos, as omissões e as fraudes continuam a fazer a estrada para lado
nenhum nas cimeiras do clima e apenas as acções concretas de movimentos e
populações conseguem ser lombas no caminho.
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