Em Portugal, como certamente em muitos
países, continua a ser válida, infelizmente, a ideia de que a cultura não dá
votos. Se fizermos um apelo á nossa memória, de certeza, não encontraremos a
lembrança de qualquer (média) manifestação popular em defesa de um crescimento
da despesa do Estado dedicada à cultura. Este tipo de reivindicações é sempre
feito por sectores minoritários da nossa sociedade, onde se englobam agentes
culturais diversos, mas com um reduzido poder de pressão sobre a forma com são
geridos os dinheiros públicos. Como muito bem sabemos, estivéssemos nós perante
poderosos agentes da finança e logo se desencantariam milhões, como que por
milagre…
Não
admira, pois, que uma manifestação que hoje estava marcada para Lisboa, tenha
como principal reivindicação a ninharia de “1% para a cultura” no OE de 2018. Solidários
com esta exigência, aqui deixamos a transcrição de um artigo de opinião
assinado no “Público” de hoje por Luís Raposo, Presidente do ICOM Europa.
Está prevista para hoje uma manifestação
em Lisboa que tem como uma das principais reivindicações o célebre “1% para a
Cultura”. Trata-se de tomada de posição especialmente oportuna quando na
Assembleia da República se inicia a discussão do OE para 2018. De tanto ter
sido exigido no passado, em governos de todas as cores, começa a ouvir-se que
se trata de mera utopia. Ou pior ainda: de mais uma forma de esbanjar dinheiro
no curto prazo, sem pensar no futuro.
Nada de mais mistificador. No plano do
histórico nacional importa recordar que chegámos durante os governos de António
Guterres a estar somente a poucas décimas do objectivo acima indicado. Daí para
cá recuámos tanto, tanto... que em vez de avançarmos para o 1%... recuámos para
0,2%, no caso do PIB, e 0,5%, no caso do OE.
Mas quando se fala tanto de Europa, será
apropriado procurar a posição portuguesa nesse quadro. E para que nos não
acusem de demagogia, será talvez útil estabelecer a comparação entre o que
gastamos em Educação e em Cultura. Fizemos este exercício há quase dois anos
nestas páginas (“Cultura: até que
ponto mudar significa... mudar mesmo”, PÚBLICO de 8.12.2015), quando
o actual Governo se começava a instalar, usando então dados de 2011.
Actualizámo-los agora para os últimos que o Eurostat disponibiliza, referentes
a 2015. O resultado continua a ser basicamente o mesmo... não tendo entretanto
o Governo da chamada “geringonça” feito nada relevante, antes pelo contrário —
no que se vai convertendo numa imensa desilusão de quem nele acreditou.
O que nos diz, então, o Eurostat? Que em
matéria de Educação nos situamos em posição muito interessante: 7.º lugar em
relação ao PIB (6%), 11.º lugar em relação ao OE (12,4%). Em ambos os casos
bastante acima da média da UE (que é de 4,9% e 10,3% do PIB e do OE para
Educação). Ou seja, em matéria de gastos públicos com a Educação cumprimos
muito razoavelmente a nossa obrigação. Exigir-se-ia mais? Talvez, mas
objectivamente não temos com que nos envergonhar.
E quanto à Cultura, onde estamos? Em miserável penúltima
posição, seja quanto ao PIB seja quanto ao OE. Atrás de nós só mesmo a Grécia.
Aumentar a despesa da Cultura para 1% do OE significaria
apenas atingir a média ponderada europeia, mas ainda assim com 18 países à
nossa frente. Não se trata de “pedir a lua”, pois. E, de resto, o que ressalta
das estatísticas é que o investimento em Cultura na UE não está mecanicamente
relacionado com a riqueza de cada país, mas com a centralidade que, por causas
diversas, a mesma ocupa no desígnio nacional. Os países bálticos são dos que
mais investem em Cultura, por força da sua viva vontade de afirmação
identitária. A Velha Albion, porventura por ser velha e estar em profunda
crise, é uma das que menos investe agora em Cultura. Será este também o fado
português?
Sim, talvez seja este o fado português,
o de ser um país velho de quase nove séculos, sem vitalidade que lhe permita
afirmar a centralidade da Cultura no seu projecto nacional. Será isto, pois.
Não nos digam é que se trata de sequelas da troika e de mera falta de
meios. E se a “geringonça” quiser realmente mudar, então nada pode justificar
que, ainda nesta legislatura, não dê sinais claros de evoluir de 0,5% para 1%
do OE para a Cultura. E que o mesmo valor, mas do PIB, não seja atingido em
mais uma legislatura, no máximo.
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