Para
não irmos mais longe, é bom recordarmos a campanha difamatória feita contra os
professores no tempo de Sócrates e que levou a duas gigantescas manifestações
de docentes, consideradas as maiores que uma classe profissional alguma vez fez
em Portugal. Foi durante um Governo “socialista” em que era ministra da
Educação Maria de Lurdes Rodrigues, de muito má memória. Os professores eram
acusados de inadmissíveis privilegiados e quase os únicos responsáveis por
todos os problemas que assolavam o país.
Veio
a seguir o governo de maioria de direita que continuou a fomentar uma política
de mentira e ódio aos docentes para, em seguida os poder perseguir, com
aceitação da opinião pública – os malditos privilegiados tinham de ser
esmagados. Como agora se pode observar, essa campanha contra os professores
está ainda bem viva pois quando aqueles pretendem que para o futuro não
desapareçam dez anos de trabalho cumprido, vem a falácia dos 650 milhões de
euros como lhe chama Santana Castilho no artigo de opinião que hoje assina no
Público e que vale bem a pena ler.
O primeiro-ministro Costa acha que não é
possível “tudo para todos” mas aqui, ele está a fazer uma escolha, não
aceitando satisfazer uma legitima reivindicação dos professores e vergando-se
perante a banca e as “rendas imorais” das parcerias público-privadas.
Mesmo para quem está habituado ao
confronto de opiniões que as decisões políticas mais polémicas suscitam, causa
perplexidade verificar a quantidade de pronúncias na comunicação social,
escrita ou falada, ora expondo ignorância inaceitável, ora evidenciando
intuitos manipulatórios censuráveis, que a questão da tentativa de apagar uma
década ao tempo de serviço dos professores suscitou. Conheço os preconceitos e
as agendas destes bullies avençados. Mas, confesso, espantou-me ver tantos
e tão irmanados na mentira e no ódio a uma classe, a quem devem parte do que
são e do que serão os seus filhos e netos. Não é corporativa a razão que dita
estas linhas. É a seriedade, é a justiça e é a certeza sobre o quanto toda a
comunidade precisa dos seus professores.
Dois clichés são recorrentes no discurso
dos bullies: a progressão dos professores é automática, em função do
tempo de serviço; não há possibilidade financeira para o que reclamam.
Comecemos pela carreira. Na
representação adulterada das mentes captas dos bullies, a progressão na
carreira dos professores seria apenas dependente do tempo. Nada mais falso. Um
lugar num quadro, primeiro patamar dessa carreira, só ocorre, em média, depois
de duas décadas de exercício profissional penoso, em situação de nomadismo
continuado, com avaliação do desempenho anual, da qual depende uma hipotética
contratação no ano seguinte. Depois, sim, vem o requisito do tempo de serviço,
ao qual se soma uma avaliação do desempenho, interna e externa, que é fortemente
penalizante se insuficiente, e a obrigatoriedade de 50 horas de formação,
igualmente avaliada, em cada escalão, com aulas assistidas nos 3.º e 5.º e
quotas administrativas para chegar aos 5.º e 7.º. Para falarmos sobre o tema é
elementar ler o Estatuto da Carreira Docente. Mas os bullies não leram.
Alguns, que simultaneamente sacralizam as avaliações da OCDE e vilipendiam os
professores, parecem ignorar que aquele organismo internacional considera os
nossos docentes como dos mais competentes no universo dos países examinados. E
esquecem que os inquéritos sociais sobre o apreço e a confiança que os
portugueses depositam nas diferentes classes profissionais mostram a dos
professores nos lugares cimeiros.
Disse o Governo, que vai deixando cair
números para incendiar a opinião pública, que um quarto chegaria ao topo da
carreira se todo o tempo de serviço fosse contado. Mas não disse que, desde que
a carreira foi concebida, não pelos docentes, mas por um governo PS, nenhum,
repito, nenhum, lá chegou. Não pensaram nas consequências quando assim
legislaram e, mais tarde, anunciaram o fim da austeridade?
Passemos à questão financeira. O que
está em causa não é recuperar o dinheiro perdido durante quase uma década. O
que está em causa é não permitir que, para futuro, desapareçam dez anos de
trabalho cumprido. O coro dos 650 milhões de euros, em que afinaram bullies,
primeiro-ministro e, sibilinamente, Presidente da República, é uma falácia.
Essa quantia, para além de não ter sido reclamada pelos professores no OE de
2018, será (deduzida de mais de um terço, que será recuperado pelo Estado em
impostos) o preço da decência, dividido em vários orçamentos futuros.
Entendamo-nos: um orçamento é o espelho das escolhas políticas de um Governo.
No de 2018, Costa vergou-se às rendas de privilégio, com uma pirueta de
deslealdade quanto à contribuição sobre as renováveis. Na última segunda-feira,
rasgou, sem decoro, a palavra que havia dado na sexta passada. No de 2018,
Costa e Centeno reservaram 3250 milhões para os desmandos da banca e 1498
milhões para as rendas imorais de 15% das parcerias público-privadas
rodoviárias, em que não tiveram coragem de tocar, para além de terem
antecipado, há 15 dias, um pagamento ao FMI de 2780 milhões, que só teria que
ser feito em 2020 e 2021. Costa tinha razão quando disse que “a ilusão de que é
possível tudo para todos, isso não existe”. Tudo só é possível para alguns. Os
que Costa escolheu.
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