Quando
se reclama sobre os baixíssimos orçamentos para a cultura, é incontornável e
verdadeira a afirmação de que a cultura não dá votos. A direita sabe muito bem
que assim é porque um povo culto é mais dificilmente convencido de que
políticas favoráveis aos ricos e poderosos constituem um benefício para toda a
comunidade. Na realidade, não é por acaso que governos como o da maioria
PSD/CDS despromovem a cultura para secretaria de estado e a esvaziam de financiamento,
o mais que podem.
Infelizmente,
o actual Governo PS, com a desculpa das restrições orçamentais de que Portugal
é alvo, mantém um “orçamento do Ministério da Cultura vergonhosamente baixo”
como muito bem denuncia Catarina Martins,
Coordenadora do Bloco de Esquerda, no artigo de opinião que assina no Expresso
deste sábado e que reproduzimos a seguir.
A cultura é cara. A incultura acaba sempre por sair
mais cara. E a demagogia custa sempre caríssimo.” Lemos estas palavras neste
mesmo jornal, escritas por Sophia de Mello Breyner em 1975, como um aviso
atualizado pelas quatro décadas que entretanto se passaram. E foi justamente a
atualidade da discussão sobre o preço da cultura e da falta dela que me levou a
aceitar o convite do Expresso para escrever sobre os desafios que enfrenta a
política para o património cultural.
Daqui a dois dias, uma maioria de deputados à esquerda
vai levantar-se para aprovar o Orçamento do Estado. Ainda bem que o faremos. Se
é de escolhas que trata cada orçamento, este não deixa de fazer escolhas certas
na reposição dos rendimentos do trabalho, no aumento dos salários e das pensões
e na defesa dos serviços públicos. Nestas matérias, não sendo o orçamento que a
esquerda apresentaria, este é seguramente muito diferente de qualquer orçamento
que a direita tenha apresentado. Mas as escolhas que fazemos não nos silenciam
sobre as escolhas que falta fazer.
A cultura é seguramente parte do que falta fazer. Não
há outra forma de o dizer: o orçamento do Ministério da Cultura é
vergonhosamente baixo. Deste ponto de vista, não será muito diferente dos
orçamentos aprovados ao centro ou à direita durante décadas e que foram
incapazes de construir serviço público na cultura. Pelo contrário, perpetuaram
a ausência de recursos, a precariedade dos seus profissionais, o abandono de
espaços aos interesses do mercado e, consequência de tudo isto, o desligamento
entre o património e as suas comunidades.
Acresce que, aos novos problemas do património,
tornados evidentes pelo aumento da pressão do turismo, o Partido Socialista
responde com a velha política do subfinanciamento. O aumento de receitas
provenientes do turismo não é sequer reinvestido na salvaguarda do património e
a ausência de recursos públicos é um convite à pressão especulativa que torna
de apenas alguns aquilo que devia ser de todos.
Infelizmente, os riscos que corre o património
cultural em Portugal não se resumem à falta de financiamento. As alterações à
tutela, reduzindo a autonomia das instituições e afastando o corpo técnico da
tomada de decisões, impossibilitam qualquer estratégia pública. O problema não
se resume a jantares no Panteão: os exemplos caricatos multiplicam-se e mostram
o absoluto risco que se vive nesta área. Um Museu Nacional arrenda uma sala a
troco de material de limpeza; uma multinacional agrícola destrói um sítio
arqueológico sem que o Ministério da Cultura se aperceba seja do que for.
O património precisa de uma estratégia que recuse a
pobre escolha entre abandono generalizado e conservação mercantil. Precisa já,
porque está em curso a transformação do património em parques temáticos para
turistas — salvando o que gera receita direta e abandonando/vendendo o resto.
Uma estratégia depende de investimento público e de tutela capaz, que
reconstrua autonomia e valorize os corpos técnicos. Quando o Estado se demite
da sua responsabilidade, sobra o autoritarismo e a incapacidade. Num mundo em que
as divisões ameaçam a nossa liberdade, a ausência de uma política para a
cultura fecha-nos sobre nós próprios. E esse preço nós não podemos pagar.
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