A
luta dos professores pelo descongelamento das carreiras e os resultados
obtidos, a par de outras situações da administração pública como é o caso dos
médicos, enfermeiros e técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica, para
falarmos apenas em alguns exemplos, trouxeram de novo à baila as restrições
orçamentais como o eterno obstáculo à reposição de injustiças em vigor desde há
anos.
Os
nossos ouvidos são diariamente bombardeados com a falta de dinheiro para
satisfazer justíssimas reivindicações dos trabalhadores da administração
pública. No entanto, pouco se ouve falar nos estudos que apontam para cerca de 20
mil milhões de euros o valor da evasão fiscal que tem lugar em Portugal como
aponta Francisco Louçã no excelente texto que assina no “Público” de hoje… (o
sublinhado é nosso)
Ninguém
notou, quanto em 2004 uma investigação do Senado norte-americano sobre a
fortuna do ditador chileno Augusto Pinochet identificou as dependências das
Ilhas Caimão e da Florida do BES como veículos para a ocultação dos dinheiros e
fuga ao fisco? Vá lá, toda a gente notou. O BES fez mesmo um comunicado de
imprensa contra quem, como este cronista que aqui assina, chamou a atenção para
as conclusões do relatório.
Ninguém
notou quanto em 2009 o BCP português foi forçado pelas autoridades a revelar os
seus movimentos em sociedades offshore? Vá lá, isso foi tema de comissão de
inquérito e a administração do banco foi substituída logo a seguir.
Ninguém
leu as notícias quando o consórcio de jornalistas de investigação revelou em
2013 o que se chamou de Offshore Leaks? Eram 100 mil empresas fictícias criadas
para ocultar capitais. A Google transferiu em 2013 dez mil milhões de dólares
para as Bermudas, conseguindo assim pagar sobre todos os seus lucros uma taxa
efectiva de 2,4%.
E,
vá lá, ninguém deu conta em 2104 do Luxleaks, a revelação do engenhoso esquema
do governo do Luxemburgo para albergar empresas multinacionais e garantir assim
que pagavam um IRC insignificante? Sim, foi assaz evidente: o primeiro ministro
luxemburguês entre 1995 e 2013 chama-se Jean Claude Juncker e, sendo presidente
da Comissão Europeia, teve de se justificar perante uma comissão de inquérito,
que foi logo afogada pelo bloco central do parlamento europeu. A Irlanda e a
Holanda, aliás, fazem o mesmo que o Luxemburgo.
E
depois vieram, em 2016, os Panamá Papers, com a revelação dos segredos de uma
grande firma de advogados. Desta vez eram 214 mil empresas. Só o Crédit Suisse
e a UBS, respeitáveis bancos suíços, criaram 25 mil cada um. Vá lá, não se
notou?
E
agora, em 2017, soube-se dos Paradise Papers, um esquema de registo de empresas
em offshores nas Bermudas e em Singapura. A rede era usada por Isabel II,
curiosamente desde que a crise financeira de 2007 levou a perdas da sua
fortuna, mas também pela Apple, Nike, Whirlpool, pelas ligações russas da Casa
Branca, pela família angolana Dos Santos e por mais jet-set. E a UE decidiu
investigar pelo mesmo motivo a Ilha de Man, de sua Majestade britânica, e
Malta.
Vá
lá, ninguém notou?
Nota-se
mesmo. Devin Nunes, um orgulhoso luso-descendente que é deputado republicano e
foi presidente da comissão parlamentar sobre tributação, e depois foi
responsabilizado por Trump por gerir a sua equipa de transição para a posse,
declarava que queria “tornar a América o maior paraíso fiscal do mundo”. O
estado norte-americano do Delaware já tem 945 mil empresas registadas para não
pagarem imposto.
Os
paraísos fiscais não são portanto uma extravagância, umas repúblicas das
bananas dispostas a rondarem o crime a troco de uns dólares ou euros. São o
coração do nosso sistema financeiro. As suas sociedades, agências e veículos (o
nome é delicioso) financeiros são geradas pelos maiores bancos, pelos mais
refinados campeões, e amparados pelos governos mais respeitáveis – na Europa,
além da Suíça é o Reino Unido quem alberga maiores volumes de capitais
escondidos, alguns legalmente, muitos em evasão fiscal e outros em ocultação de
crime (a OCDE calcula pagamentos anuais de um bilião de dólares em subornos).
O resultado é a perda de
receitas e portanto a crise fiscal do Estado. Quando ouvir falar em
restrições orçamentais, em falta de dinheiro para pagar a enfermeiras ou
técnicas de diagnóstico ou para construir um novo hospital, lembre-se sempre
que a evasão fiscal em países como a Alemanha pode andar pelos 160 mil milhões
de euros, em França por 120, em Espanha por 73 (cálculos da Tax Research, Reino
Unido) e em Portugal alguns estudos apontam para 20 mil milhões. Vá lá, nota-se
mesmo.
Sem comentários:
Enviar um comentário