A
estratégia usada pelo governo espanhol para contrariar a vontade
independentista da Catalunha tem vindo a acumular erros sobre erros e não estamos
apenas a falar dos tempos mais recentes. Relativamente a estes, talvez possamos
encontrar uma explicação no facto de o partido actualmente no poder em Espanha ter
nas suas fileiras o franquismo que aceitou a contragosto o regime democrático. As
restantes forças políticas, em especial à esquerda, encontram-se entre a espada
e a parede mas, mais tarde ou mais cedo terão de se render às evidências. O que
qualquer democrata não pode aceitar é que o exercício legítimo da democracia
seja alvo da violência e da repressão como a que está a acontecer na Catalunha,
por parte das autoridades espanholas.
O
governo autónomo da Catalunha que proclamou a independência, é acusado de violação
da Constituição de Espanha e alguns dos seus membros encontram-se presos devido
à sua participação nesse acto. Ora, é impensável que em qualquer país
democrático, decisões inconstitucionais sejam punidas com a prisão de governantes.
É à volta desta ideia e tomando como exemplo as imensas medidas inconstitucionais
tomadas pelo Governo PSD / CDS que gira o texto de Francisco Louçã, no “Público”
de hoje.
“Lisboa,
tantos de tal de 2014 – A crise política portuguesa ganhou novos contornos
quando o PSD e CDS emitiram hoje um comunicado conjunto considerando que a
prisão sem fiança de Passos Coelho, Assunção Cristas e outros ministros os
constituía como ‘presos políticos’. Como é sabido, o tribunal aceitou a
diligência do procurador Silva, que acusa os governantes de ‘associação
delinquente’, logo depois do seu quarto orçamento retificativo ter sido
considerado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional no que respeita ao
corte de pensões a pagamento. O magistrado queixou-se de não haver na ordem
jurídica a figura de ‘traição à Pátria’ e explicou que só por isso usou a
acusação de ‘conspiração’ para ‘defraudar os pensionistas e subtrair-lhes parte
da sua pensão’, considerando que, se todos os orçamentos procuraram o mesmo
objectivo, ‘conspiração’ é o termo adequado, não havendo a comparável figura da
‘sedição’ da lei espanhola. O pretendente a rei de Portugal condenou no
Facebook a forma contumaz de procedimento do governo agora demitido. O governo
de Madrid também emitiu um comunicado apoiando a decisão do tribunal
português.”
Antes de pensar em
manifestar-se contra qualquer coisa, seja a sobreposição da justiça ao
resultado eleitoral legítimo, seja a perseguição aos dirigentes da direita por
delito de opinião, seja a utilização do processo judicial para resolver
questões políticas, atente o leitor que este despacho noticioso nunca poderia
existir em Portugal. De facto, os pesos e contrabalanços têm funcionado:
enquanto o governo PSD-CDS aplicavam as medidas da troika, parlamentares e
mesmo o presidente então em funções enviaram algumas das disposições do
Orçamento para apreciação pelo Tribunal Constitucional (e ganharam sempre). Mas
as declarações de inconstitucionalidade – mesmo que repetidas, quase sempre
para avaliarem medidas com o mesmo objectivo, cortar pensões – só forçaram à
correcção dessas medidas do Orçamento. Não houve prisão dos membros do governo,
que aliás continuariam nos orçamentos seguintes a buscar o mesmo desígnio. A
declaração de inconstitucionalidade pelo respectivo Tribunal é em Portugal uma
forma de verificação do exercício dos poderes, não uma forma de instigar a
perseguição aos governantes pelos seus actos ou opiniões.
Em
Espanha parece haver um entendimento diferente. Membros do governo catalão
estão presos e os parlamentares que votaram uma resolução, depois considerada
inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, podem também vir a ser presos.
Alguns ministros, apesar de se terem apresentado voluntariamente em tribunal,
ao contrário de Puigdemont, aguardam julgamento em cárcere. Teremos portanto
eleições com alguns dos principais candidatos presos ou ameaçados de prisão.
Há em consequência dois
efeitos nefastos desta estratégia repressiva. Um é a instrumentalização e
partidarização da justiça, que se condena a si própria. A segunda é a
amplificação do risco para Rajoy: se os independentistas ganham a eleição
catalã (o PP de Rajoy é cotado em sondagens com menos de um terço do principal
partido independentista), a política do tudo ou nada fica sem recuo possível. A
haver um dia independência, é a Rajoy e ao rei que a Catalunha deve agradecer.
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