Recentemente,
por ocasião do “fórum Investimento e Iniciativa, que teve lugar em Riad, foi concedida a
cidadania saudita a Sofia”. É à volta desta notícia que gira o artigo de
opinião de hoje assinado pelo advogado Domingos Lopes no Público, não sem uma
ponta de ironia. Aliás, é uma ironia que tem todo o sentido na medida em que,
como bem sabemos, como são restritos os direitos das mulheres na Arábia Saudita.
A concessão da cidadania saudita a Sofia só teve lugar porque se trata de um
robot.
O reino wahabita de que tanto gosta
Donald Trump não é muito dado a grandes surpresas, mas, há sempre um mas...
Desta vez não teve a ver com o número de decapitados, nem com a prisão de
raparigas vestidas com saias e cabelos à solta, nem com a grave disputa com o
Qatar e o Irão, nem com a guerra com o martirizado Iémen.
No dia 25 de outubro, por ocasião do
Fórum Investimento e Iniciativa, que teve lugar em Riad, foi concedida a
cidadania saudita a Sofia, que na cerimónia não trajava a abaya, tinha o
cabelo à mostra e apresentou-se sozinha no ato em que lhe foi conferida a
cidadania. Sofia, com parecenças a Audrey Hepburn, respondeu a várias perguntas
colocadas pelos jornalistas, manifestou conhecer Elon Musk (empresário
multibilionário canadiano, sul-africano e norte-americano) e portou-se à altura
do grande momento de reviravolta naquele imenso país cheio de petróleo.
Na verdade, Sofia, apesar de sua
juventude, não estava acompanhada por nenhum homem, seu tutor. As respostas
foram de sua autoria, não olhou para nenhum homem antes de responder. Estava
só. E apesar de Sofia ter declarado “estou muito honrada e orgulhosa desta
distinção única” e de o poder fazer, sem que sobre ela se abatesse a espada
misógina do reino wahabita dirigida pela Casa Real Saud, suscitou comoção no
coração das mulheres sauditas.
A entrevista de Sofia, que também não é
nome sunita e árabe, difundida no Arab News, causou inveja e perplexidade às
suas novas concidadãs. Uma felizarda se comparada com as suas concidadãs que
têm de usar abaya, não podem deslocar-se sem o marido, pai ou filho e
muito menos responder a perguntas que qualquer homem lhes faça.
As redes sociais explodiram com os
comentários das jovens e das mulheres sauditas reclamando para elas os mesmos
direitos de Sofia. Aquilo que pareceria ser o início de novos dias na Arábia
Saudita não passou, porém, de uma amostra excecional.
O reino absolutista dos homens de poder
absoluto não voltou atrás com a sua palavra, e só Sofia pôde ter o que as
jovens e mulheres sauditas não têm, o estatuto de cidadã de corpo inteiro.
Afinal, a igualdade entre homens e mulheres não tinha chegado ao reino dos
sabres, as mulheres continuam seres inferiores, pecadoras, podem atrair os
homens para o mal e, se adúlteras, devem ser condenadas à pena capital.
Continuam a poder conduzir camelos, e só
camelos, a não poder ir às consultas médicas sem um homem, sendo-lhe comunicado
exclusivamente a ele as enfermidades, a terem de se deslocar acompanhadas por
homens e continuam a ser submetidas a um estatuto de menoridade porque pura e
simplesmente são mulheres, uma espécie que tem dentro de si uma inferioridade
congénita; sem poderem tratar de si devidamente e, por isso, deverem viver para
cuidar dos homens que delas zelam.
Então qual a razão de Sofia ter sido
brindada com os direitos de que as outras mulheres sauditas não dispõem? A
razão é simples — Sofia é o orgulho de David Hanson, fundador da empresa de
Hong Kong Honson Robotics, criadora de robôs humanóides. Sofia é um robô. Não é
uma mulher. Se fosse...
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