Guardadas
as devidas diferenças, voltamos a assistir na Assembleia da República a um
moralismo hipócrita relativamente à despenalização da canábis para fins terapêuticos,
comparável ao que se passou relativamente à despenalização da interrupção
voluntária da gravidez. Toda a gente tem noção da sua necessidade mas muitos
recusam dar o seu voto favorável por pura hipocrisia e reaccionarice. Na realidade,
apenas o Bloco de Esquerda e o PAN deram a cara pela defesa do interesse de
muitos doentes perante uma necessidade absoluta. Se a direita se encontra
sempre em oposição a todos os avanços sociais, é absolutamente incompreensível a
posição do PCP ao alinhar com PSD e CDS no chumbo dos “projetos de lei que legalizavam a cannabis para fins
medicinais”.
Como
sempre acontece em situações como esta, as forças progressistas acabam sempre
por vencer ainda que tenham de levar a cabo lutas tenazes pois estão do lado
certo da história. Daqui a poucos anos, o uso da canábis para fins terapêuticos
estará tão generalizado que já ninguém se lembra do debate que agora está a ter
lugar.
A
propósito, leia-se o seguinte artigo de opinião do deputado Moisés Ferreira do
BE, no “Público” de hoje, em defesa do que está realmente em discussão sobre a
necessidade da despenalização do uso da canábis para fins terapêuticos.
No passado dia 11 de janeiro a Assembleia da República discutiu
a possibilidade de Portugal legalizar a cannabis para fins medicinais. Ao fazê-lo, Portugal
seguiria os passos de muitos outros países e disponibilizaria a médicos e
doentes mais uma possibilidade terapêutica com evidência científica.
Em discussão estava única e exclusivamente isto: permitir que os
médicos possam prescrever cannabis e que ela possa ser dispensada em farmácia;
permitir que os detentores de receita médica possam pedir uma autorização ao
Ministério da Saúde para cultivar, de forma controlada e limitada, para consumo
próprio e com fins estritamente medicinais.
Pelo debate previa-se que PCP, PSD e CDS iriam chumbar os
projetos de lei que legalizavam a cannabis para fins medicinais. Perante isto decidiu-se – e
bem – baixar os projetos sem votação durante 60 dias.
Da parte do Bloco de Esquerda estamos convictos que a legalização
da cannabis para fins medicinais é um passo seguro e
importante, principalmente quando sabemos que há milhares de doentes que podem
beneficiar desta terapêutica. Por isso é que não podíamos deixar morrer a nossa
proposta. Ela é útil e benéfica para muitas pessoas e estas pessoas não
mereciam ser derrotadas por mero conservadorismo, preconceito ou
desconhecimento.
A discussão nos próximos dois meses será muito útil. Não por
acharmos que o que faz falta é mais um estudo para juntar aos milhares já existentes,
mas porque esta discussão permitirá esclarecer e clarificar a necessidade desta
medida.
O debate do passado dia 11 de janeiro não foi muito frutífero
neste aspeto, até porque os partidos que se opunham à legalização para fins
medicinais optaram por não discutir as propostas.
Disseram: “na verdade, o que o Bloco de Esquerda quer é, sob a
capa da cannabis medicinal, legalizar a cannabis recreativa”.
Sosseguem. Quando o Bloco de Esquerda quiser propor a legalização para fins
recreativos, fará essa proposta de forma clara e aberta. Já o fizemos no
passado e não temos problemas em voltar a fazê-lo. Fá-lo-emos quando quisermos
discutir os fins recreativos; neste momento o que estamos a discutir é a
cannabis para fins medicinais. Lembramos que, por exemplo, o PCP disse
publicamente que estava disponível a discutir o assunto desde que as discussões
fossem separadas. Agora que as separamos é estranho ver que é o próprio PCP a
misturar tudo como quem não quer discutir nada.
Disseram: “é uma decisão que deve ser técnica e não política”.
Se assim é, por que insistem em resistir à evidência científica? Por que é que
o projeto de resolução apresentado pelo PCP coloca a ênfase na decisão do
Governo quando recomenda que este, veja-se bem, “avalie as vantagens clínicas
da utilização da cannabis sativa para fins terapêuticos, comprovadas
cientificamente”.
Disseram: “a cannabis é uma substância que pode causar dependência e tem
efeitos secundários”. Coisa que acontece com outras substâncias e outros
medicamentos. Mas por que não confiar nos médicos e na avaliação que os mesmos
farão sobre os riscos e os benefícios da prescrição? Porque é disso que se
trata. Não se trata de compra e venda livre só porque sim. Trata-se de ter um
médico a prescrever cannabis se achar que esta terapêutica pode ser benéfica
para um determinado doente.
A isto acrescenta-se ainda a não-questão da ‘cannabis fumada’, ou seja, de quem tenta passar a ideia que
a única forma de administrar cannabis é fumando um charro. Nada mais falso. Ela pode ser
vaporizada ou tomada em infusão, pode ser ingerida ou pode ser tomada em gotas
sublinguais ou em óleo misturado com água. Isto só para dar alguns exemplos.
Mas, mais uma vez, a forma de administração seria sempre a que o médico
receitasse. Por que não confiar no seu julgamento clínico?
Falsos argumentos à parte, o que realmente interessa e o que
realmente está em discussão é isto.
Mais de uma centena de profissionais de saúde, doentes e
associações de doentes dirigiram-se ao Parlamento apelando à legalização da cannabis para fins medicinais. E a pergunta a que temos de
responder é “Queremos ou não legalizar o uso de uma substância que pode ser
usada de forma segura e eficaz na melhoria da qualidade de vida de muitos
doentes em Portugal”? Creio que a resposta só pode ser uma: Sim, queremos
legalizar!
Sem comentários:
Enviar um comentário