terça-feira, 16 de janeiro de 2018

DESPENALIZAR O USO DA CANÁBIS PARA FINS TERAPÊUTICOS, EM DEFESA DOS DOENTES



Guardadas as devidas diferenças, voltamos a assistir na Assembleia da República a um moralismo hipócrita relativamente à despenalização da canábis para fins terapêuticos, comparável ao que se passou relativamente à despenalização da interrupção voluntária da gravidez. Toda a gente tem noção da sua necessidade mas muitos recusam dar o seu voto favorável por pura hipocrisia e reaccionarice. Na realidade, apenas o Bloco de Esquerda e o PAN deram a cara pela defesa do interesse de muitos doentes perante uma necessidade absoluta. Se a direita se encontra sempre em oposição a todos os avanços sociais, é absolutamente incompreensível a posição do PCP ao alinhar com PSD e CDS no chumbo dos “projetos de lei que legalizavam a cannabis para fins medicinais”.
Como sempre acontece em situações como esta, as forças progressistas acabam sempre por vencer ainda que tenham de levar a cabo lutas tenazes pois estão do lado certo da história. Daqui a poucos anos, o uso da canábis para fins terapêuticos estará tão generalizado que já ninguém se lembra do debate que agora está a ter lugar.
A propósito, leia-se o seguinte artigo de opinião do deputado Moisés Ferreira do BE, no “Público” de hoje, em defesa do que está realmente em discussão sobre a necessidade da despenalização do uso da canábis para fins terapêuticos.
No passado dia 11 de janeiro a Assembleia da República discutiu a possibilidade de Portugal legalizar a cannabis para fins medicinais. Ao fazê-lo, Portugal seguiria os passos de muitos outros países e disponibilizaria a médicos e doentes mais uma possibilidade terapêutica com evidência científica.
Em discussão estava única e exclusivamente isto: permitir que os médicos possam prescrever cannabis e que ela possa ser dispensada em farmácia; permitir que os detentores de receita médica possam pedir uma autorização ao Ministério da Saúde para cultivar, de forma controlada e limitada, para consumo próprio e com fins estritamente medicinais.
Pelo debate previa-se que PCP, PSD e CDS iriam chumbar os projetos de lei que legalizavam a cannabis para fins medicinais. Perante isto decidiu-se – e bem – baixar os projetos sem votação durante 60 dias.
Da parte do Bloco de Esquerda estamos convictos que a legalização da cannabis para fins medicinais é um passo seguro e importante, principalmente quando sabemos que há milhares de doentes que podem beneficiar desta terapêutica. Por isso é que não podíamos deixar morrer a nossa proposta. Ela é útil e benéfica para muitas pessoas e estas pessoas não mereciam ser derrotadas por mero conservadorismo, preconceito ou desconhecimento.
A discussão nos próximos dois meses será muito útil. Não por acharmos que o que faz falta é mais um estudo para juntar aos milhares já existentes, mas porque esta discussão permitirá esclarecer e clarificar a necessidade desta medida.
O debate do passado dia 11 de janeiro não foi muito frutífero neste aspeto, até porque os partidos que se opunham à legalização para fins medicinais optaram por não discutir as propostas.
Disseram: “na verdade, o que o Bloco de Esquerda quer é, sob a capa da cannabis medicinal, legalizar a cannabis recreativa”. Sosseguem. Quando o Bloco de Esquerda quiser propor a legalização para fins recreativos, fará essa proposta de forma clara e aberta. Já o fizemos no passado e não temos problemas em voltar a fazê-lo. Fá-lo-emos quando quisermos discutir os fins recreativos; neste momento o que estamos a discutir é a cannabis para fins medicinais. Lembramos que, por exemplo, o PCP disse publicamente que estava disponível a discutir o assunto desde que as discussões fossem separadas. Agora que as separamos é estranho ver que é o próprio PCP a misturar tudo como quem não quer discutir nada.
Disseram: “é uma decisão que deve ser técnica e não política”. Se assim é, por que insistem em resistir à evidência científica? Por que é que o projeto de resolução apresentado pelo PCP coloca a ênfase na decisão do Governo quando recomenda que este, veja-se bem, “avalie as vantagens clínicas da utilização da cannabis sativa para fins terapêuticos, comprovadas cientificamente”.
Disseram: “a cannabis é uma substância que pode causar dependência e tem efeitos secundários”. Coisa que acontece com outras substâncias e outros medicamentos. Mas por que não confiar nos médicos e na avaliação que os mesmos farão sobre os riscos e os benefícios da prescrição? Porque é disso que se trata. Não se trata de compra e venda livre só porque sim. Trata-se de ter um médico a prescrever cannabis se achar que esta terapêutica pode ser benéfica para um determinado doente.
A isto acrescenta-se ainda a não-questão da ‘cannabis fumada’, ou seja, de quem tenta passar a ideia que a única forma de administrar cannabis é fumando um charro. Nada mais falso. Ela pode ser vaporizada ou tomada em infusão, pode ser ingerida ou pode ser tomada em gotas sublinguais ou em óleo misturado com água. Isto só para dar alguns exemplos. Mas, mais uma vez, a forma de administração seria sempre a que o médico receitasse. Por que não confiar no seu julgamento clínico?
Falsos argumentos à parte, o que realmente interessa e o que realmente está em discussão é isto.
Mais de uma centena de profissionais de saúde, doentes e associações de doentes dirigiram-se ao Parlamento apelando à legalização da cannabis para fins medicinais. E a pergunta a que temos de responder é “Queremos ou não legalizar o uso de uma substância que pode ser usada de forma segura e eficaz na melhoria da qualidade de vida de muitos doentes em Portugal”? Creio que a resposta só pode ser uma: Sim, queremos legalizar!

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