O texto seguinte
constitui a transcrição de um artigo de opinião assinado por Pedro Neto,
Director-executivo da Amnistia Internacional Portugal no “Expresso” de ontem que
alerta: “2018 tem de ser o ano em
que tudo muda e se valorizam os direitos humanos”. Vindo de quem vem, este
desejo tem uma força especial mas, por si só, pode esbarrar com a indiferença
dos mais poderosos deste mundo, para quem, falar em “direitos humanos” constitui
apenas uma arma de arremesso político a usar no momento mais conveniente e
nunca de forma absoluta, doa a quem doer.
De qualquer maneira, o
prestígio que já ganhou a Amnistia Internacional confere-lhe uma energia que
não pode ser desperdiçada num momento em que por todo o mundo os direitos
humanos são feitos tábua rasa todos os dias.
Pela (ir)responsabilidade de uns — muito poucos, com
muito poder — a humanidade recuou nos valores que a alicerçam e deu espaço a
interesses particulares e não ao bem comum. Retrocedemos em direitos humanos.
A estratégia foi simples: ouvimos a retórica do medo,
do ódio e da divisão cavalgar nos microfones de alguns líderes políticos,
usando narrativas de rancor para generalizar e distorcer a complexidade dos
desafios da sociedade global que se quer diversa e inclusiva, onde todos temos
lugar, sem exceção.
Posições extremadas ganharam terreno na discriminação,
na desresponsabilização ambiental e, finalmente, na perseguição a todas as
pessoas que afrontam estes discursos e os abusos que querem legitimar.
Nesse gritar de ódios, os arautos apresentam-se como
heróis que vão fechar fronteiras e proteger as pessoas de todo o mal que há no
mundo — e que dizem ser sempre culpa dos outros. A esta fórmula juntou-se o
silêncio face à discriminação racial, de género, de religião e outras — ou até
mesmo a sua apologia, que encoraja atos de violência e perseguição. Assim,
tornam-se egocêntricas as sociedades.
Continuámos a ver milhões de refugiados e migrantes em
fuga e sem acolhimento digno, de Myanmar à Líbia, à Síria, Iémen ou nos
territórios palestinianos ocupados. A lista continuaria. Pessoas que fogem de
guerras, de perseguição e de miséria.
A narrativa do ódio a todos os “outros” assenta numa
ilusão de autossuficiência, como se não precisássemos de mais nada ou ninguém
para viver.
Basta parar para pensar. Assim que abrimos uma
torneira de água, tanto que devemos a tantas pessoas e ao nosso planeta. O que
foi um problema do futuro, é evidente e do presente. Os fenómenos climáticos
que o mundo sofreu, já após o Acordo de Paris, relembram a urgência de uma
resposta às alterações do clima e alertam para os efeitos de destruição na vida
das pessoas: casas, comunidades e formas de sustento ameaçadas. Esta é uma
questão de direitos humanos inadiável.
Temperaturas recorde na Ásia e no Ártico; secas graves
no Brasil e na África meridional; a destruição da Grande Barreira de Coral. De
novo a lista continuaria, sem esquecer que também nós, em Portugal, sentimos de
forma evidente as alterações do clima e o rasto da sua destruição. Da subida
das temperaturas ao aumento dos níveis do mar, as alterações climáticas
exacerbam causas de guerra como a competição pelo domínio dos recursos
naturais. O lucro a todo o custo.
Se as emissões de carbono não reduzirem, e rápido, 600
milhões de pessoas serão confrontadas com desastres naturais, secas e fome,
estima a ONU.
Em momentos de acelerada mudança temos de agir com
urgência, com paixão e com coragem. A proteção dos defensores de direitos
humanos que põem a vida em risco por estas causas em tantos lugares do mundo é
por isso prioridade. Em 2016, foram mortos 281 defensores de direitos humanos,
quase o dobro do ano anterior. A violência física, as tentativas de
descredibilização e de difamação são cada vez mais graves e frequentes, e
sempre com o ensejo de silenciar quem se pronuncia contra uma injustiça ou
confronta interesses poderosos.
2018 tem de ser o ano em que tudo muda, em
que os Estados valorizam os defensores de direitos humanos, em que
responsabilizam quem os ataca e previnem que mais sofram. 2018 tem de ser o ano
da multiplicação de vozes em defesa da justiça, da dignidade e dos direitos
humanos de todas as pessoas. Tem de ser o ano de fazer valer a esperança. A
esperança sobre o medo!
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