João
Camargo, investigador em alterações climáticas, é o autor do artigo de opinião
seguinte que transcrevemos do “Público” de hoje.
Perante
a submissão do Governo português aos interesses das empresas petrolíferas e de
energia, Camargo termina o artigo com uma expressão relativamente à qual só
poderemos estar de acordo: “Se eles se ajoelham, nós teremos de
nos levantar.” Isto significa tão só que se o Governos se coloca de
cócoras perante os interesses daquelas empresas, então, “nós”, população,
teremos de resolver este problema na rua, com o apoio dos movimentos sociais.
De novo se constata que as instituições
oficiais, na maior parte das vezes, dominadas por interesses contrários aos das
populações, são incapazes de resolver os grandes problemas das sociedades. Por
isso, a rua pode ter uma acção fundamental caso se mobilize com força.
As
recentes relações do Governo português com as empresas petrolíferas e de
energia revelam-nos um quadro coerente de bullying e submissão.
Recordemos
casos apenas dos últimos meses: durante a discussão do Orçamento do Estado para
2018, o Parlamento aprovou uma contribuição extraordinária sobre as energias
renováveis (com o voto a favor do PS), que recairia principalmente sobre a EDP
Renováveis. No mesmo dia, o PS anunciou que iria repetir a votação e, dois ou
três dias depois, votou contra, devolvendo centenas de milhões de euros às
energéticas, apesar do investimento nas renováveis já estar hoje mais do que amortizado.
Durante a discussão no Parlamento, os deputados do PS não tiveram problema
nenhum em afirmar a bondade da reviravolta na tomada de posição: era preciso
continuar a apostar nas renováveis e este era o Governo que ia baixar o preço
da electricidade em 2018. António Costa e a Entidade Reguladora dos Serviços
Energéticos repetiram o anúncio: pela primeira vez em 18 anos, a electricidade
cairia 0,2%. Surpresa das surpresas, a EDP anunciou no fim do ano um aumento da
electricidade em 2,5%. No início de 2018, a empresa anunciou mesmo que iria
deixar de pagar a contribuição extraordinária sobre a energia, no valor de mais
de 300 milhões de euros. António Costa reagiu, com um temperamento que
raramente se lhe vê: “Lamento a atitude hostil que a EDP tem mantido e que
representa, aliás, uma alteração da política que tinha com o anterior governo.”
A EDP juntou-se à Galp e à REN na recusa de pagar impostos.
A política
pública deste Governo sobre temáticas ambientais e civilizacionais como as
alterações climáticas ocorre na fronteira entre a cosmética e propaganda. Ainda
no final do ano passado, na cimeira “One Planet” de Emmanuel Macron, António
Costa anunciou as linhas mestras da acção climática em Portugal — estender o
funcionamento das centrais a carvão de 2020 para 2030, tornar o país “carbono
neutro” até 2050 e organizar uma cimeira sobre transporte sustentável em
Janeiro. Chegámos à tal “cimeira sobre transporte sustentável”, a MobiSummit.
Em
Portugal, os transportes são a segunda fonte de emissões de gases com efeito de
estufa, depois da energia. Para começar a resolver o problema, anunciou o
primeiro-ministro, uma cimeira. Os organizadores da cimeira? EDP, o maior
emissor de gases com efeito de estufa em Portugal, Via Verde como pseudónimo da
Brisa, proprietária de auto-estradas onde passam anualmente um acumulado de 28
milhões de veículos a gasolina e a diesel e, para compor, a Volkswagen, mundialmente famosa
pelo Dieselgate, escândalo em que a fabricante de automóveis criou um software fraudulento para esconder as emissões de gases
com efeito de estufa e os pôs em oito a 11 milhões de carros (a Comissão
Europeia também exigiu à Volkswagen que indemnizasse os proprietários burlados,
mas a Volkswagen recusou-se). Dando uma vista de olhos pelo programa da cimeira
que vai “resolver” o nosso problema de transportes, percebe-se que é proibida a
entrada a transportes públicos e a única “solução” será substituir os nossos
mais de seis milhões de veículos a combustíveis fósseis por outros mais de seis
milhões de veículos eléctricos. Tudo o que for preciso para manter os negócios
dos organizadores. O Governo empresta um ministro e um secretário de Estado
para legitimar a estratégia.
À grande
agressividade e até à “atitude hostil” por parte das empresas energéticas privadas,
o Governo de António Costa e do secretário de Estado da Energia Jorge Seguro
Sanches responde com anúncios grátis, almoços grátis, legitimação e genuflexão.
De joelhos, o Governo tomou a decisão, a 8 de Janeiro e sem qualquer anúncio
público, de prolongar, pela terceira vez, a autorização para a Galp e a
italiana Eni furarem o mar de Aljezur à procura de petróleo e gás. Esta decisão
ignora dezenas de milhares de objecções de cidadãos, organizações e a oposição
de todos os municípios que foram consultados no final do ano passado acerca de
um eventual prolongamento desta licença. Aliás, a decisão é mesmo uma
reviravolta da decisão anterior do secretário de Estado da Energia, que em 2016
recusara uma nova autorização de prolongamento por dois anos para a perfuração
por parte da Eni/Galp.
Como
entretanto foi aprovada legislação que implica uma avaliação de impacto
ambiental na fase de prospecção petrolífera, esta avaliação foi anunciada numa
reportagem no Expresso. Para não destoar dos casos anteriores, a Eni
anunciou que não fará nenhuma avaliação de impacto ambiental. Perante a
submissão, mais bullying. Nos inúmeros processos judiciais em que a Eni
responde por corrupção por esse mundo fora, a acusação costuma ser de comprar
governantes e não de não cumprir os processos ambientais legais, mas como se
viu há sempre a possibilidade de se encontrar governos ainda mais submissos.
A
justificação dada pelo secretário de Estado para esta decisão, arrastando-se na
miserabilidade argumentativa, inclui o “investimento” feito pelas empresas até
agora: 76 milhões de euros, invoca. Quando perdoou uma contribuição de 400
milhões de euros às renováveis, não era preciso contas. Quando a Galp se
recusou a pagar 240 milhões de euros relativos à Contribuição Extraordinária do
Sector Energético de 2014, 2015, 2016 e 2017, não era preciso fazer contas. Há
uma decisão política, não técnica. A decisão é ficar de joelhos.
Neste momento já é de esperar que, como faz com as energéticas,
o Governo estenda uma passadeira vermelha às petrolíferas, o que deixa nas mãos
da população local, no Algarve e Alentejo (mas não só), e dos movimentos
sociais resolver este problema nas ruas, e de vez. Se eles se ajoelham, nós
teremos de nos levantar.
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