Já aqui referimos que este Governo usa com demasiada frequência uma linguagem eufemística que não pode ter outra finalidade senão confundir-nos para desviar as atenções dos seus verdadeiros intentos. Esta semana, o eufemismo inventado por Passos Coelho consistiu na criação da ideia da “refundação” do memorando. A princípio pensou-se que, finalmente, o primeiro-ministro estaria inclinado a forçar a renegociação dos termos do colete-de-forças a que o país está sujeito por via do memorando da troika. Ingenuidade de muitos porque o que na realidade se pretende é a destruição do Estado Social, transformando-o num simulacro para a propaganda do Governo. Partindo desta ideia, Daniel Oliveira elaborou o artigo de opinião que apresentou no Expresso deste sábado – “Refunda e aguenta” – e cuja primeira parte aqui transcrevemos.
O Orçamento aprovado esta semana é uma fraude. E por ser uma fraude, ainda não tinha sido aprovado e já o Governo procurava onde cortar para cumprir um défice impraticável se teimarmos em não renegociar os juros da nossa dívida, que nos levam cerca de 10% dos dinheiros públicos. Passos Coelho, especialista em eufemismos, inventou mais uma expressão: “refundar o memorando”. Demorou alguns dias até se perceber se aquilo queria dizer renegociar os termos do nosso “resgate”. Refundar quer afinal dizer “repensar as funções do Estado”. Traduzindo para português: reduzir drasticamente as funções do Estado na saúde, na educação e na segurança social. E passar essas funções para privados, voltando elas a ser um privilégio social reservado para poucos. Ou seja, o Estado passará a levar uma parte substancial dos salários dos portugueses para não lhes dar nada em troca. E Passos Coelho já está a negociar a redução destas “gorduras do Estado” com o FMI. Como de costume, nas costas dos portugueses.
Quem se lembra da última campanha eleitoral e da proposta de revisão constitucional do PSD percebe que não estamos perante uma mera reação às nossas dificuldades financeiras, mas perante a aplicação de um programa ideológico que há muito é sonhado por esta minoria de fanáticos. Que passa por retirar aos mais pobres e à classe média quase tudo o que conseguiu nos últimos 40 anos. Para quem ainda compra a ideia de que temos “políticas sociais demasiado generosas”, citando Passos Coelho em julho de 2010, talvez seja bom recordar o que era Portugal nos finais dos anos 60. Cinco milhões de portugueses não tinham cobertura médica. A mortalidade infantil era a maior da Europa. Havia vinte vezes mais analfabetos que licenciados. Foi a generosidade em demasia que aborrece Passos Coelho que mudou radicalmente esta realidade. E esse é o maior motivo de orgulho nacional. (…)
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