Estamos fartos de saber que Portugal é um dos mais desiguais países da OCDE com cerca de 18% da população a viver abaixo do limiar da pobreza. Isto significa que são perto de 2 milhões de portugueses que se encontram nesta situação e, infelizmente, a propensão destes números é para aumentar.
Vivemos uma crise profunda e, em épocas de crise há grupos sociais que são especialmente vulneráveis, como o das crianças, sendo que elas não têm qualquer espécie de culpa das decisões dos adultos. O quadro da pobreza infantil também só tem tendência a se agravar mas parece um pouco esquecido, apenas se falando nele quando a UNICEF publica algum relatório. Por isso, é muito importante a divulgação de todo e qualquer texto em que a situação seja o tema base. É o caso de um artigo de opinião que ontem descobrimos no Público e que aqui deixamos para reflexão.
Quem se preocupa com a pobreza infantil? (*)
O país está em estado de choque com a proposta de lei do Orçamento do Estado para 2013. Na rua, milhares de pessoas manifestam-se contra a austeridade e empobrecimento que, de acordo com o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, nos espera. Entretanto, os membros mais vulneráveis da nossa sociedade ficam à margem da agenda política. O relatório do Orçamento do Estado para 2013 não refere quaisquer impactos prospectivos das medidas de redução da despesa na pobreza ou exclusão social infantil, embora aluda às crianças enquanto grupo vulnerável.
Em Maio, a Unicef denunciava no seu relatório Medir a Pobreza Infantil (http://www.unicef-irc.org/publications/pdf/rc10_eng.pdf) que em 2009 14,7% das crianças portuguesas (0-17 anos) viviam abaixo do limiar de pobreza. Preocupante era também a percentagem de crianças que viviam em estado de carência económica: 27%. Para a Unicef uma criança carenciada não tem acesso a duas ou mais de 14 variáveis indicadas como "normais e necessárias" num país desenvolvido: como, por exemplo, três refeições por dia, actividades de lazer regulares (bicicleta, skate, etc.), pelo menos dois pares de sapatos ou acesso à Internet. Um resultado que coloca Portugal no 25º lugar numa lista de 29 países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE). Se estes dados já deviam ser alarmantes, a percentagem chegava aos 46,5% para as crianças de famílias monoparentais e 73,6 % para as crianças com ambos os pais desempregados.
Nos últimos tempos, discute-se muito em Portugal sobre o envelhecimento da sua população e da sua qualidade de vida. Mas poucos parecem estar preocupados com aqueles que são o futuro do país. E talvez isso diga muito do estado a que chegámos enquanto sociedade. Entender a pobreza é um processo complexo com múltiplas dimensões de análise, mas a pobreza é, acima de tudo, um fenómeno político. Porque é fruto das relações de poder que influenciam a distribuição de oportunidades e benefícios no seio da sociedade.
Um estudo de Dezembro de 2011 do Institute for Social and Economic Research (ISER) da Universidade de Essex, no Reino Unido (https://www.iser.essex.ac.uk/publications/working-papers/euromod/em6-11), compara o impacto, em termos distributivos, das medidas de austeridade em seis países europeus. Entre os seis casos analisados (Grécia, Irlanda, Espanha, Portugal Reino Unido e Estónia), Portugal foi o único país onde as medidas de austeridade afectaram mais seriamente os lares com rendimentos mais baixos, em comparação com os lares com rendimentos mais elevados. E esta distribuição desigual das medidas afecta, em particular, os agregados familiares com crianças dependentes.
Depois de mais de 20 anos a receber fundos estruturais, Portugal continua a ser um dos países mais desiguais da OCDE e com cerca de 18% da população portuguesa a viver em risco de pobreza, mesmo após as transferências sociais. Com o novo Orçamento a indicar um corte bastante substancial dos apoios sociais, a situação só poderá agravar. Os números do Eurostat para os menores portugueses de 18 anos em risco de pobreza ou exclusão social para 2011 são ainda piores do que os da Unicef: 28,6%.
As crianças não são responsáveis pelas decisões tomadas pelos adultos. Contudo, em Portugal, serão elas a sofrer mais com a crise. O relatório da Unicef acaba com um aviso claro: "Uma sociedade que falha em apoiar os pais na sua tarefa de proteger os anos de infância é uma sociedade que está a falhar com os seus membros mais vulneráveis. Mas é também uma sociedade que está a guardar para os anos imediatamente a seguir problemas económicos e sociais intratáveis."
(*) Luís Bernardo e Luís Mah
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