segunda-feira, 26 de novembro de 2012

DESMONTAR ENCENAÇÃO


Poucos terão classificado de forma tão perfeita o espectáculo relacionado com o Orçamento de Estado de 2013 como o fez São José Almeida no excelente artigo de opinião que assina no Público de sábado passado (24/11/2012) – uma verdadeira “farsa". Digamos, em abono da verdade, que a encenação está de acordo com os protagonistas mas não escapa à atenção dos mais atentos para a realidade que tentam esconder-nos. E essa realidade é simples de detectar – a maioria estava, desde o princípio, completamente indisponível para aceitar qualquer proposta da oposição, encenando uma representação em que apenas as propostas dos partidos que apoiam o Governo foram aceites, muito provavelmente, numa manobra combinada com antecedência. O texto de São José Almeida faz uma desmontagem perfeita da encenação num estilo que dá gosto ler.


A farsa

Ninguém acredita que alguém acredite que o OE para 2013 tem a mínima razoabilidade de execução

A maioria parlamentar do PSD e do CDS vai aprovar, na terça-feira, a proposta do Governo para o Orçamento do Estado para 2013. Fica assim consumada a farsa que tem sido encenada em torno das contas públicas. Uma farsa logo à partida pela forma como foi debatido e negociado. A intenção de o Governo não negociar o que quer que fosse com a oposição fê-lo montar uma encenação em que partidos que apoiam o Governo fizerem as vezes de oposição.

Expliquemos: a proposta de OE foi feita de modo a poder acolher as propostas de alteração apresentadas pelos próprios partidos do Governo, que assim surgiram a fazer o papel que caberiam à oposição parlamentar. Já as propostas da oposição, quer sejam do PCP, do BE ou do PS, nunca foram consideradas verdadeiramente pelo Governo. Nem sequer foi aceite a proposta dos socialistas de que as taxas moderadoras nos centros de saúde ficassem mais baratas.

Outro plano em que a farsa do OE se desenrola é aquele em que se confirmará que o plano de contas do Estado está tão cheio de situações de excepção como o deste ano. Exemplo é o caso de que serão pagos os subsídios de Natal dos assessores e adjuntos do Governo. Um grupo que surge assim como abençoado pelo reconhecimento do direito extraordinário a terem direitos laborais e contratuais reconhecidos. Um grupo de próximos do poder, uma parentela que o primeiro-ministro e o ministro das Finanças protegem e a quem dão o direito a não ver os seus direitos adquiridos ultrajados, como aconteceu com todos os funcionários públicos.

Mas o OE para 2013 é também uma farsa no que diz respeito à sua fiabilidade. Ninguém acredita que alguém acredite que o OE para 2013 tem a mínima razoabilidade de execução. É um dado adquirido que até Maio ficará exposta a impossibilidade de cumprir em 2013 as metas propostas de redução do défice a 4,5%. Tanto mais que o ponto de partida já está adulterado, pois é do domínio público que défice para 2012 não será 5%, mas que irá ficar em mais de 6%.

Ninguém no poder político-institucional em Portugal parece importar-se com este facto. E a vida do Governo parece garantida para o próximo ano. Pelo menos ao nível institucional não se advinham ameaças de quem possa vir a ter uma iniciativa para demitir o primeiro-ministro. Os partidos da maioria e o Governo vivem até uma situação idílica que é a de serem poder e ensaiarem em paralelo e no seu interior a farsa de um suposto jogo democrático. Tem sido assim possível assistir à encenação de crises múltiplas e sucessivas na coligação, com o CDS a ter ataques de identidade e a provocar crises políticas, que têm a função útil de funcionar como válvulas de escape da tensão a que a maioria governamental está submetida.

Até porque Paulo Portas sabe exactamente até onde pode esticar a corda. E sabe que não pode - e também não quer - deixar de ser ministro. Já Passos Coelho parece estar convencido de que por pior que as coisas lhe corram, por mais figura de incompetente que faça, está salvaguardado no poder. Sabe que os seus chefes e os credores sabem que o programa e as metas que a Comissão Europeia impõe são impossíveis de cumprir. Apenas existem para servir de argumentário ao desmantelamento do Estado social e à transferência de bens públicos para os privados.

Por seu lado, António José Seguro e a direcção do PS apostam em não correr o risco de serem governo. Daí poderem alegremente fazer de conta que são oposição, mantendo um pé dentro e outro fora do consenso do memorando, e desempenhando o seu papel na farsa. Sabem que, se fossem governo, dificilmente conseguiriam assumir uma autonomia que lhes permitisse dançar outra música que não a que actualmente toca na União Europeia, apenas poderiam mudar um ou outro passo. E - até porque é o único partido que tem um discurso europeu sobre a crise - sabem que até ao fim de 2013 as eleições alemãs condicionarão a actual fase da União Europeia e que nada mudará no guião para Portugal.

Resta o único actor institucional que poderia estragar o espectáculo em curso e desmascarar a farsa: Cavaco Silva. O Presidente da República tem poderes constitucionais para inverter a situação. Podia dissolver a Assembleia da República e convocar eleições. Podia demitir o Governo, alegando o mau funcionamento das instituições e partir para a formação de outro. Mas dificilmente Cavaco Silva o fará em 2013, porque isso implicaria que admitisse adquirir um protagonismo que lhe daria toda a responsabilidade pelo momento político que se vivesse então. E Cavaco não parece querer correr o risco de ficar mal na fotografia para a posteridade. Daí que possa até nem querer mandar o OE para fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional.

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