As avaliações da troika “valem o que valem” ou seja, não têm qualquer valor, não valem nada relativamente aos nossos reais interesses. O seu currículo em termos de aplicação de programas como o português é um fracasso completo. Os países que se viram sujeitos aos seus ditames só viram agravar-se ainda mais a sua situação, tal como está a acontecer em Portugal. Por muitos autoelogios que a troika faça à sua acção entre nós, o cidadão comum sabe que as medidas aplicadas só beneficiam o capital financeiro e os seus tentáculos existentes entre nós. O aumento exponencial de desempregados, de pessoas com fome, da emigração, de casos de tuberculose, de sem abrigo, de gente que tem de entregar a casa ao banco por não a poder pagar, de pessoas a pedirem esmola na rua, de pobreza envergonhada, para citarmos apenas exemplos de índole social, não são propaganda de nenhum grupo “radical” mas, infelizmente, a realidade com que se depara o cidadão comum no seu dia-a-dia. Quanto à competência técnica, o melhor é lermos o texto (*) do sociólogo Pedro Adão e Silva no Expresso de ontem.
A cultura do facilitismo uma vez instalada parece não conhecer limites. Só assim se explica que as avaliações da troika se mantenham positivas. É um facto que a troika, com o FMI à cabeça, apresenta como cartão de visita um sólido histórico de fracasso na aplicação de programas como o português. Contudo, a incapacidade de reconhecer os seus próprios falhanços não é suficiente.
Mesmo quando quase tudo está a correr mal é preciso fazer crer que está tudo a correr bem. No essencial por cálculo político imediato. A troika está a avaliar-se a si própria e, após o falhanço da Grécia, precisa, como de pão para a boca, de montar um cordão sanitário que proteja Portugal. O raciocínio é simples: a Grécia está a falhar porque o Governo não se empenha o suficiente, a administração não funciona e há muita contestação social. Se assim é, como seria possível explicar que em Portugal o programa também falhasse com um Governo sem reservas em relação à estratégia e disposto a cumpri-la “custe o que custar”, com uma burocracia mais ágil e com um clima social bem mais tranquilo?
É neste contexto que deve ser lida a entrevista do chefe de missão do FMI, Abebe Salassié ao “Dinheiro Vivo”. Claramente entusiasmado pela possibilidade de dar entrevistas como se fosse membro de um governo, o técnico do FMI alarga-se em várias considerações políticas sobre Portugal. A primeira surpresa é o registo de dissonância cognitiva em que vive o FMI: de um lado, a diretora-geral a criticar a lógica de austeridade que está a ser seguida nos programas de assistência; de outro, os técnicos no terreno a assumirem o papel de fundamentalistas, ignorando os sinais enviados pela realidade.
Ainda assim, o momento mais enternecedor da entrevista é quando Salassié nos revela que o Vitor Gaspar é “impressionante”. A afirmação não podia ser mais verdadeira. Mas conviria acrescentar que Vitor Gaspar é também perigoso. A sua estratégia de “frontloading”, uma opção que ficará para os anais das catástrofes políticas em Portugal, levou a que €9 mil milhões de austeridade em 2012 se traduzissem num ajustamento orçamental inferior a 1% do PIB. De facto são resultados impressionantes.
Mas como “os bons espíritos se encontram sempre”, esta semana o “Financial Times”, no seu ranking de ministros das finanças europeus, colocou o nosso impressionante ministro num bondoso 10º lugar. Estamos perante um caso evidente do que em biologia se chama “endogamia”, reprodução entre indivíduos geneticamente semelhantes. Aqueles que escolhem são intelectualmente próximos dos escolhidos e os rankings limitam-se a reproduzir a conformidade com a norma dominante. Mas como é sabido, estes mecanismos de consanguinidade tendem a produzir efeitos negativos: entre eles, a diminuição das qualidades genéticas da população. O que tem consequências – quanto mais precisávamos da capacidade crítica face a imposições absurdas, assistimos a um reforço sistemático do pensamento de grupo, traduzido em avaliações positivas.
(*) “Uma questão de endogamia”
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