segunda-feira, 12 de novembro de 2012

JONET ELA MESMO

O “chorrilho de barbaridades” que a dirigente máxima do Banco Alimentar Contra a Fome debitou num debate na SIC-Notícias indignou meio mundo. Fez lembrar aos mais velhos o salazarento Movimento Nacional Feminino de triste memória. Será que isabel Jonet, com os anos de experiência que tem de contacto com a realidade social que constitui a miséria extrema, ainda não aprendeu nada? Ao lado desta senhora, os outros dois membros do painel – Manuela Ferreira Leite e Rui Vilar – pareciam radicais esquerdistas.

Será que um projecto como o Banco Alimentar Contra a Fome não irá ficar seriamente afectado na sua credibilidade depois das ideias expressas pela sua principal dirigente? Será que Jonet ainda tem condições para liderar aquele projecto? Ao fazer as afirmações que fez, será que esta senhora está a servir-se do cargo que ocupa como forma de promoção pessoal para cargos mais elevados?

Muito melhor que o nosso comentário é o que a seguir transcrevemos da autoria de Daniel Oliveira, publicado no Expresso do último sábado.

 
O REGRESSO DAS SUPICO PINTO

Manuela Ferreira Leite e Rui Vilar ficaram paralisados, sem saber o que dizer. Num debate na SIC-Notícias, Ana Lourenço tentava fazer perguntas que permitissem trazer Isabel Jonet ao planeta Terra. Mas a senhora estava desembestada. Que estamos a empobrecer porque vivíamos acima das nossas possibilidades. Que estávamos habituados a comer bifes todos os dias. Que temos de escolher entre um concerto rock e uma radiografia. Que o Nestum disparou nas vendas, como recordou a entrevistadora, porque os pais dão tudo o que têm para o divertimento dos filhos e não sobra dinheiro para comer. E que não temos miséria em Portugal. O chorrilho de barbaridades foi tal que a incredulidade tomou o lugar da indignação. Esperamos que uma pessoa que dirige um projeto como o Banco Alimentar cresça na sua sensibilidade social e conhecimento da realidade. Mas é uma ilusão. Se não fosse, Cecília Supico Pinto do Movimento Nacional Feminino, teria passado a ser, com o contacto que teve com a pobreza e com a guerra, uma perigosa antifascista. As pessoas podem mesmo contactar com realidades sociais difíceis durante anos e nunca saírem do lugar de onde vieram.

Mas o mais importante de tudo o que foi dito por Jonet é o que é menos caricatural: que o Estado social não pode ser universal e deve apenas acudir aos mais pobres. E, mesmo com eles, ficar-se apenas pelo essencial para a sobrevivência. A ver se nos entendemos: se o Estado social não for universal é apenas um Estado caritativo. Se se limitar a garantir o mínimo não faz nada de diferente do que as obras religiosas sempre fizeram. O papel do Estado social é outro: garantir a coesão social, promover a redistribuição da riqueza e combater o apartheid social típico das sociedades subdesenvolvidas. Enfim, criar homens e mulheres livres, defender a democracia e promover a mobilidade social. Um Estado social que não inclua a classe média é um gueto sem sustentabilidade possível. Um Estado social que se fique pelo que é necessário para a sobrevivência apenas perpetua a pobreza e dá consolo a consciências.

E o espírito da sopa dos pobres é o que sobra aos que nos querem convencer de uma mentira: que o Estado social é insustentável. Ele é a principal explicação para a prosperidade e paz em que a Europa viveu na segunda metade do século XX. Insustentável será aquilo a que o Governo nos que reduzir e que Isabel Jonet, até porque essa ideia reforça o seu poder, apoia. E que, é bom sabermos, corresponde a uma corrente ideológica que domina as instituições europeias. A mesma Comissão Europeia que defende cortes nos apoios sociais, na educação e na saúde e que impõe políticas de austeridade que aumentam o desemprego criou um fundo para apoiar a distribuição de alimentos e vestuário aos mais necessitados, através de organizações de apoio social. Nada contra. Mas é bom sabermos o que significa, para o futuro da Europa, a “refundação do Estado social” e a sua substituição por estas esmolas. Como ela é um retrocesso de cem anos que transforma os cidadãos em pedintes e os direitos em favores. Isabel Jonet, que tem defendido a redução das despesas sociais do Estado, limitou-se a exibir o espírito que domina uma elite que perdeu a vergonha e que diz na televisão o que até hoje comentava nos salões de chá: como o bife não dá para todos, alguém tem de se contentar com o osso.

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