quarta-feira, 22 de maio de 2013

AS TOLICES PRESIDENCIAIS


A recente intervenção do Presidente da República sobre a suposta intervenção da Nossa senhora de Fátima a propósito do resultado da sétima avaliação da troika está dentro do tipo de dislates com que Cavaco Silva nos tem presenteado, em especial, neste seu segundo mandato. Mas a parte mais lamentável da leitura destes casos é chegarmos à conclusão de que a situação política que actualmente vivemos em Portugal parece ter chegado a um impasse. É que, para além de constatarmos todos os dias o incorrigível desnorte do Governo, facilmente se percebe que não temos um Presidente da República capaz de tomar as decisões mais consentâneas com a embrulhada em que o país se viu envolvido. Está, pois, a criar-se a ideia de que na instituição Presidência da República, em vez de se procurar a solução, encontramos mais um problema. A partir daqui há um “pormenor” que não devemos deixar passar em claro – tem havido um considerável pudor nos comentários às tolices provenientes do “ocupante do Palácio de Belém” como se a um Presidente da República tivessem de ser permitidas todas as espécies de enormidades.

Com a qualidade que se lhe reconhece, José Vitor Malheiros coloca o dedo na ferida, de forma contundente, no texto que assina no Público de ontem e de onde extraímos o seguinte:

 A única coisa espantosa a propósito da declaração de Cavaco Silva sobre a sétima avaliação da troika e a estratégica intervenção no caso por parte de Nossa Senhora de Fátima é a extrema benevolência com que o caso foi recebido pelo establishment político, pelos comentadores e pelas instituições em geral. E esta é a única coisa espantosa, porque Cavaco já nos tem presenteado com pérolas de igual ou superior quilate e, por isso, o dislate em si não pode ser considerado surpreendente. Mas a reacção, essa, é sui generis. Na televisão, os entrevistadores fazem um discreto sorrizinho malicioso quando referem o caso e os entrevistados entreolham-se fugazmente com um sorriso benevolente enquanto vão dizendo que o facto está a ser empolado sem necessidade. Claro que adivinhamos todos que, mal os microfones se desligam, entrevistados e entrevistadores se dobram em gargalhadas a comentar a última (penúltima, antepenúltima?) tolice do ocupante do Palácio de Belém, mas em público todos referem o caso com discrição e um evidente pudor, sem revirar o punhal na ferida, com aquela gentileza que tornou famosos os nossos brandos costumes e com uma elegância que seria ocioso tentar explicar ao visado.

O que é espantoso é que parece ter-se instalado o consenso sobre Cavaco Silva: todos o tratam como tratariam o idiota da aldeia, com paciência e benevolência, às vezes com um sorriso de comiseração, sem esconder aqui e ali um lampejo de irritação, mas garantindo-lhe sempre a inimputabilidade que os costumes, a moral e a lei concedem aos pobres de espírito.

Cavaco deixou, pura e simplesmente, de ser (e de poder ser) levado a sério. Uma referência a Cavaco no meio de uma conversa é, forçosamente, um convite à mofa e aos gracejos. O que é grave, já que lhe cabem deveres de garantia do funcionamento das instituições democráticas que ele é, assim, absolutamente incapaz de cumprir, seja através de intervenções públicas ou de lanches privados. O que é grave, porque vivemos um momento de emergência nacional, de catástrofe social, de submissão a interesses estrangeiros e de traição aos portugueses que exigiriam a intervenção de um chefe de Estado.

Não é a simples referência a Nossa Senhora de Fátima que é surpreendente - Paulo Portas acreditava que a maré negra do petroleiro "Prestige" se tinha desviado da costa portuguesa devido a "uma intervenção de Nossa Senhora" -, nem o facto de que Cavaco Silva não tenha percebido que, como chefe de Estado de uma república laica, se deve abster de propaganda das suas crenças pessoais, nem sequer o facto de o Presidente manifestar tão débil confiança na sua autoridade que quis desculpar a tirada atribuindo a justificação milagreira à lavra da sua consorte. Mas há uma questão política que subjaz às declarações do Presidente da República: aparentemente (o que surpreende, atendendo a outras declarações suas), Cavaco Silva considera que a troika se tornou uma bênção de tal prodigalidade que apenas pode ser explicada por causas sobrenaturais, qual maná celestial. A imagem poderia ser compreendida - e muito mais pessoas gritariam "milagre" - se a troika decidisse perdoar-nos a dívida. Mas não foi isso que aconteceu. Esta aura divina de que o PR reveste a decisão dos nossos principais credores pode dever-se ao facto de Cavaco Silva estar a ser envenenado com uma substância hipnótica espalhada nas torradas mas, com hipnose ou sem ela, o PR parece considerar um sacrilégio que os portugueses pensem ou façam qualquer outra coisa que não nasça desta troika de três cabeças. Seria mais compreensível e certamente mais patriótico que Cavaco sonhasse que a troika não é mais do que a forma humana, mal disfarçada, do cão de três cabeças que guarda os infernos. Mas imaginar que eles são os serafins favoritos da Virgem Maria é pornográfico.

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