Os portugueses estão muito mal aviados com os governantes que escolheram, desde o Governo ao Presidente da República (PR).
Ninguém imaginava que, sequer, passasse pela cabeça do Governo retirar salários aos funcionários públicos e confiscar uma parte das pensões dos reformados. Mas é o que está prestes a acontecer, por muita encenação que o executivo em geral e Paulo Portas em particular levem acabo. Por outro lado, o actual PR não é, de todo, a figura de quem os portugueses possam esperar uma tomada de posição consentânea com a situação de degradação da nossa vida colectiva a que todos os dias assistimos. De facto, com inusitada frequência, Cavaco Silva dá mostras de uma indesejável senilidade, numa altura em que a sua lucidez mais necessária seria perante a fraqueza e o desnorte que o Governo dá mostras. As cenas que relacionam o fim da sétima avaliação da troika com uma suposta inspiração da Nossa Senhora de Fátima, assim como a invocação de S. Jorge no sentido de nos garantir uns “tempos futuros” melhores não auguram nada de bom…
Toda a situação actual faz lembrar muito o que se passou nos finais da I República, com o cortejo de desgraças que culminou com quase meio século de ditadura como refere o seguinte texto que extraímos de um artigo de opinião (*) que encontrámos no Diário de Coimbra do último domingo (12/5/2013).
Talvez alguém se recorde do título que já aqui usei: “o porco que andava de bicicleta”. Era uma expressão de espanto, usada recorrentemente pelo saudoso Fernando Pessa, sempre que tropeçava em qualquer coisa inacreditável. É isso que me apetece dizer, agora.
Para lá das habilidades do ciclista suíno, faltava-me ver um governo que quer retirar os salários aos funcionários públicos.
Não preciso de nenhum acórdão do Tribunal Constitucional, ou qualquer outro, para me certificar a escandalosa ilegalidade desta intenção que nunca passará disso mesmo – uma estulta manifestação de desespero de quem já não sabe o que anda a fazer. Seria isto suficiente, para o Presidente da República perceber que este Governo chegou ao fim dos seus dias.
Admito que Cavaco Silva não tenha grandes expectativas nas possíveis alternativas, concretamente no PS dirigido por António José Seguro, com sondagens pouco animadoras. Mesmo assim, nada o desobriga de fazer o que lhe compete. E o que lhe compete é falar ao país, com toda a sinceridade, dizendo que este Governo não presta e que a alternativa também não lhe merece qualquer confiança, devendo a sociedade civil gerar, entre as suas competências, uma terceira via que moralize a vida política. É evidente que, se o fizesse, corria o risco de ficar com o menino nos braços e, nessa altura teria de assumir a responsabilidade de incentivar a formação de um Governo extra-partidário, apoiado na inteligência nacional.
A função presidencial, por tradição, tem sido fácil. Mas isso não quer dizer que seja sempre assim. E Cavaco Silva deve perceber que lhe calhou a fava do bolo-rei, isto é, que o seu segundo mandato está a ser o mais difícil da democracia portuguesa.
A I República deixou ensinamentos que ele não entende, porque a história nunca se confinou com a sua poupada intelectualidade contabilística. Também nesse período a democracia foi disfuncional, pela fraqueza política dos partidos que permitiu a acção de homens como Paiva Couceiro e Sidónio Pais que Benito Mussolini considerou o primeiro fascista da Europa. O Estado ficou de tal modo fragilizado que consentiu a ascensão do corporativismo de Salazar, já ensaiado por Sidónio Pais, durante um ano, depois do golpe que depôs Bernardino Machado. Sidónio crismou o seu presidencialismo de “República Nova”. Salazar deu outra estrutura ao seu regime e chamou-lhe “Estado Novo”. As diferenças são muito menores, que as afinidades. No início dos eus consulados, ambos tiveram apoio popular, mais radicado no descontentamento reinante, que na simpatia dos seus ideários.
Na I República também falhou um dos pilares institucionais do Estado – a Presidência da República. E o resultado foi o que se viu. Com Cavaco Silva em Belém, é isso que agora se repete.
As semelhanças com a actualidade são evidentes. O parlamento vai-se tornando, cada dia, mais obsoleto, incapaz de retirar consequências das múltiplas audiências e inquéritos que promove. O Governo, claramente, é imprestável, não tem rumo, a oposição é mole e o Presidente da República, por inércia, colabora neste processo de falência do Estado.
(*) “Lembram-se do porco que andava de bicicleta?”, Sérgio Borges
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