A extrema-direita que agora deita as garras
de fora por todo o mundo não nasceu do nada. A crónica que o historiador Manuel
Loff assina hoje no “Público” vem exactamente demonstrar, através de exemplos
da história recente que “os neofascistas do final do século XX e os racistas
disfarçados de culturalistas nunca estiveram sozinhos”…
De leitura fácil, vale a pena ler o
interessante texto que retirámos do “Público” desta quinta-feira.
Ainda há poucos anos, sobre o avanço
visível da extrema-direita por toda a Europa e as Américas (e Israel, claro),
dizia-se que era coisa passageira de que era melhor não falar para não lhes dar
importância. Achava-se que eram movimentos muito minoritários, raramente
elegiam deputados e, quando o faziam, eram perfeitamente prescindíveis na
constituição de maiorias de governo apesar de, já então, irem contaminando o
discurso das direitas clássicas e marcando a agenda dos media. Depois de
terem aproveitado a onda anticomunista do final do século XX para ocupar um
espaço enorme no mapa político da Europa centro-oriental, transformaram o fim
dos regimes que se reivindicavam comunistas numa oportunidade histórica para
fazer uma crítica demolidora da democracia mais ou menos redistributiva para a
qual o Ocidente capitalista fora obrigado a evoluir com o triunfo do
antifascismo em 1945 e do movimento descolonizador ao longo dos vinte anos
seguintes, ambos abrindo caminho à emancipação (sempre incompleta e ameaçada)
das mulheres e das minorias étnicas e de orientação sexual. Os neofascistas do
final do séc. XX e os racistas disfarçados de culturalistas (como se o problema
para eles não estivesse na “raça” mas na “incompatibilidade cultural”) nunca
estiveram sozinhos: a onda neoconservadora de Thatcher, Reagan e Kohl
partilhava com eles a mesma leitura horrorizada do avanço das ideias
socialistas na universalização da educação, da saúde e da segurança social
pública que faziam social o chamado Estado de Bem Estar. Como a
extrema-direita, também Thatcher achava que a desigualdade de classes, ou o
próprio conceito de sociedade, eram puras mistificações marxistas; para ela,
para Reagan e para a extrema-direita, o que havia era a Nação e os seus inimigos
internos (nome que Thatcher deu aos mineiros da longa greve de 1984-85), era o
Ocidente com o dever histórico de recuperar a sua supremacia. Sobre a
Grã-Bretanha desses anos fazia-se a mesma pergunta que recentemente se fazia
sobre Portugal e Espanha: porque razão não tinha ela uma forte Frente Nacional
como a França? A resposta era simples (e é a mesma que deve ser dada sobre os
casos ibéricos): porque ela estava dentro da direita tradicional, era
thatcherista. Enquanto a enésima crise financeira do capitalismo internacional
não desvertebrou os sistemas de representação do Ocidente, a extrema-direita
não achou ser útil autonomizar-se. Quando o fez, de onde saíram todos os seus
dirigentes? Dos partidos da direita tradicional – deixando lá dentro, como se vê
bem, muitos aliados potenciais com os quais partilham ideias e políticas.
Salvo raras exceções, esta é a origem das direitas radicais dos
últimos 25 anos: verificando que o estado de crise e guerra permanente em que o
Ocidente passou a viver propicia um regresso a uma cosmovisão de medo do outro
e de medo da perda, elas, que se haviam mantido ativas contra todas as mudanças
do pós-1945 (direitos cívicos e sociais, descolonização, feminismo), acolhidas
sempre no interior dos partidos das direitas de governo em todo o Ocidente,
preferiram autonomizar-se e, a partir de fora, marcar o passo dos seus antigos
correligionários. Desde Berlusconi, em 1994, até Trump e Bolsonaro, as direitas
clássicas não hesitaram nos últimos 25 anos em se coligar com elas. E sempre
que disseram que o não queriam fazer, roubaram-lhes o discurso – isto é,
radicalizaram-se. Nos anos 30, a isto chamou-se outra coisa: fascizaram-se.
É o que está a suceder em Espanha:
perdido na miríade de movimentos neofranquistas que sempre existiram desde a
morte de Franco, o Vox, criado por dissidentes do PP, com forte presença de
militares e de polícias (modelo que o Chega quer imitar em Portugal), passou de
coisa pateticamente minúscula (0,2% nas eleições de 2016) a aliado de governo
do PP e dos Ciudadanos na maior região de Espanha, a Andaluzia. Com as
sondagens a darem-lhe agora mais de 10% dos votos, a direita clássica só com
ele regressará ao poder. Para facilitar, fala como eles. Se o Vox quer acabar
com as políticas de luta contra a violência de género “porque são
discriminatórias”, o PP quer revogar o aborto. Para regressar a 1936 e ouvir a
retórica nauseabunda da “Espanha partida” ou da equiparação dos presos
políticos catalães a “terroristas”, não é preciso ouvir um neofascista do Vox:
basta ouvir o PP ou os Ciudadanos.
A pergunta ingénua de porque não havia uma extrema-direita organizada em
Portugal e em Espanha passou a ter a resposta óbvia. E sinistra.
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