A Fundação Francisco Manuel
dos Santos (FFMS), do dono do Pingo Doce, foi fundada em 2009 por “Alexandre
Soares dos Santos e família para estudar os grandes problemas nacionais e
levá-los ao conhecimento da sociedade”.
Com objectivos
definidos de uma forma tão genérica, os mais ingénuos seriam levados a pensar
que a acção da FFMS se pautaria por uma neutralidade ideológica. A prova de que
esta não é a realidade – nem podia ser, vinda de onde vem – está o estudo
recentemente publicado sobre a “sustentabilidade financeira e social do sistema
de pensões” em Portugal. Como afirmou José Gomes Ferreira, um jornalista da
área económica, insuspeito de quaisquer tendências esquerdistas, aquele estudo
parece ter sido encomendado para “gerar o pânico entre as pessoas, criando
suspeições sobre o sistema previdencial público para abrir a porta ao negócio
privado”, conclusão a que chega Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do Bloco
de Esquerda, no seguinte artigo de opinião que assina no “Público” de hoje.
A Fundação Francisco Manuel dos Santos
(FFMS), do dono do Pingo Doce, deu centralidade no debate público à
sustentabilidade futura da Segurança Social. O timing deste debate está
ainda por perceber, mas não parece ser alheado do ciclo eleitoral. Já o
alinhamento ideológico, esse é inequívoco.
Comecemos pelo momento escolhido: a Segurança Social está a atravessar
um bom momento, com excedentes anuais e um valor recorde do Fundo de
Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS). Este fundo ultrapassou
pela primeira vez o valor de 18 mil milhões
de euros, tendo aumentado 3,3 mil milhões de euros nos três últimos
anos.
Como transformar estas boas notícias
numa ameaça à sustentabilidade da Segurança Social? Arranjando um estudo
que ignora esta evolução positiva e semeia dúvidas nas pessoas sobre a
sustentabilidade da Segurança Social. A um mês de eleições, esta escolha não
parece ser inocente, como rapidamente se demonstrou pela avidez com que PSD e
CDS correram atrás das promessas de um futuro trágico. Ainda órfãos da falta de
comparência do diabo na economia, estes partidos correm atrás de qualquer indício
do demo, mesmo que seja a ilusão de cheiro a enxofre.
Olhemos para o legado de PSD e CDS que o
estudo olimpicamente despreza: os maiores momentos de desequilíbrio da
Segurança Social foram no período do governo da troika. As políticas de
austeridade trouxeram desemprego, precariedade, cortes salariais e emigração, a
tempestade perfeita a Segurança Social.
O aumento do desemprego significou menos
pessoas a contribuírem para a Segurança Social e mais pessoas a receberem
apoios sociais para enfrentar esse momento de fragilidade, menos receita e mais
despesa. A emigração empobreceu o país de jovens da sua geração mais
qualificada, criando o vazio quando estes iniciariam as suas carreiras
contributivas e ajudariam às pensões em pagamento. A precariedade atirou as
pessoas para relações informais de trabalho ou subemprego, com efeito na
redução de remunerações e direitos, mas também em menores contribuições para a
Segurança Social.
Os cortes salariais e o desemprego
baixaram a massa salarial total, mas serviram ainda como pressão para redução
generalizada dos outros salários. Essa redução do valor dos salários é menos
receita no presente para a Segurança Social e mais despesa no futuro. Isto
acontece porque atira as pessoas para carreiras contributivas degradadas, mais
expostas a situações de miséria, que têm de ser compensadas com outras formas
de garantir mínimos sociais.
A omissão destas realidades no estudo
apresentado pela FFMS não é um acaso, é uma forma de limitar as possíveis
conclusões. Foi a política que rompeu com as escolhas de PSD e CDS que permitiu
a recuperação de rendimentos e direitos, tal como a criação de emprego,
equilibrando o sistema previdencial de Segurança Social.
Contudo, rapidamente a direita coloca
uma ameaça em cima da mesa: o aumento da esperança média de vida. É um absurdo
transformar uma boa notícia numa ameaça. Se as pessoas vivem hoje mais tempo,
isso não é para as condenar a trabalhar até à morte, caminho que a FFMS aponta
com a “solução” de aumento da idade da reforma.
Quer a direita defender a Segurança
Social? Não. Por isso mesmo esteve contra as medidas de diversificação das
fontes de financiamento (através impostos sobre o património de luxo ou a
consignação de uma parte do IRC), esteve contra a proposta do Bloco de Esquerda
para que as empresas não contribuam apenas em função do número de
trabalhadores, mas também do seu valor acrescentado líquido, que permite
responder à evolução demográfica. E esteve contra quaisquer medidas de ataque à
precariedade que o Bloco de Esquerda propôs.
Na verdade, o grande objetivo é gerar o pânico entre as pessoas, criando suspeições
sobre o sistema previdencial público para abrir a porta ao negócio privado.
Assunção Cristas foi claríssima sobre isso quando lhe descaiu a boca para a
verdade no debate parlamentar e defendeu que as pessoas deviam conhecer a
“verdade” para poderem “escolher”. Já lhes conhecemos as manhas e sabemos bem
as histórias das falências dos fundos de pensões privados.
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