Cada vez tem mais cabimento a ideia de que
o mundo está a tornar-se um lugar perigoso. Há países com regimes ditos
democráticos em que as a protecção dos direitos dos cidadãos é cada vez mais
reduzida e difícil se estiverem em causa interesses dos poderes constituídos. Pelo
que vamos observando, até pelo que se passa em Portugal, chegamos à conclusão
de que a defesa acérrima da democracia é apenas levada a cabo por organizações
políticas apelidadas de “radicais”, qualificação pejorativa, para lhes tirar
credibilidade.
Os contornos que envolveram a recente
prisão de Julian Assange por parte das autoridades britânicas que foram
autorizadas a entrar na embaixada do Equador é o mais recente episódio que
prova estarmos a viver num mundo sem regras que não sejam as que são impostas
pelos mais poderosos. Assange teve a coragem de revelar ao mundo crimes
hediondos cuja existência a opinião pública mundial não duvida, agora, serem
reais.
Caso possa vir a ter lugar a extradição de Assange
para os EUA como pretende o regime de Trump, o melhor que lhe pode acontecer é
passar na prisão o resto dos seus dias…
Este tema é muito bem comentado por Daniel
Oliveira na crónica que assina hoje no Expresso Diário e cuja leitura completa recomendamos
vivamente.
Não minto. Foi com a esperança de ser
feita justiça contra o poder da arbitrariedade que recebi as primeiras
denúncias da Wikileaks. Todos esperamos sempre um Robin dos Bosques. E Julian
Assange, responsável pela maior fuga de infirmação da história da humanidade,
tinha tudo para o ser. O que ele denunciava foram, logo a começar, bárbaros
crimes de guerra em que 18 civis eram barbaramente executados. O que ele exibia
era aqueles crimes que nenhum Estado, seja uma ditadura ou uma democracia,
julga. Porque a guerra é a guerra e nela o Estado de Direito não pode meter o
bedelho.
Não vou fazer aqui o registo da longa
novela de Assange. Enquanto ele envelhecia na embaixada equatoriana o mundo foi
mudando. O que parecia um movimento libertador ganhou contornos assustadores.
Talvez o que aconteceu nos Estados Unidos, com o envolvimento da Rússia nas
eleições norte-americanas para eleger um idiota útil, tenha ajudado a
esclarecer que riscos vivemos. Nesta matéria, não tenho mais a dizer do que
escrevi sobre Rui Pinto. Mas os paralelos acabam aqui. Porque tudo o que vem
depois contra Assange é uma história canalha levada a cabo por criminosos e no
atropelo sistemático de todas as regras. Julian Assange deve ser julgado pelos
seus crimes. Mas não pode ser extraditado para os Estados Unidos.
O jornalismo que
revende a propaganda mais primária, tomando os cidadãos por imbecis,
explicou-nos que o Equador deixou que uma força policial estrangeira entrasse
na sua embaixada para prender alguém que já tinha cidadania equatoriana porque
ele não tomava banho e tratava mal os funcionários. A verdade plausível para
adultos com atividade cerebral média é provavelmente a que foi dada por Rafael
Correa, antecessor de Lenin Moreno. O seu sucessor, que se tem dedicado a
perseguir os que no seu partido levaram a sério os compromissos eleitorais,
chegou a um acordo com Mike Pence: em troca de um empréstimo de 4,2 mil
milhões, o Equador arquivava um processo contra a Chevron-Texaco por um crime
ambiental dos anos 90, participava no isolamento à Venezuela e permitia que as
autoridades britânicas prendessem Assange e o extraditassem para os Estados
Unidos. A cabeça de Assange foi comprada a um fantoche que, numa humilhação sem
precedentes, transformou o asilo num estatuto intermitente disponível no
mercado.
A primeira base para a detenção de
Assange é a conveniente e duvidosa acusação de violação, vinda da Suécia.
Apesar de temer que o objetivo seja apenas tirá-lo da toca, a acusação existe e
ele deve ser julgado por isso. O que significa que deve ser extraditado para a
Suécia, que lhe deve garantir todas as condições de segurança.
Ninguém de boa-fé acredita que Assange
terá direito a defender-se do Estado cujos crimes ele mesmo denunciou. Os
Estados Unidos têm um sistema judicial deficiente, mas nem sequer é disso que
estou a falar. Neste tipo de assuntos, o sistema judicial é indiferente, como
se tem visto com o limbo jurídico dos prisioneiros da famigerada “guerra ao
terror”. Quando chegam a estes temas, os Estados Unidos são Guantánamo. Não há
Estado de Direito para ninguém. É um milagre, aliás, que Assange ainda esteja
vivo.
Agora saberemos se a
promessa de não extraditar Julian Assange para um país onde haja risco de morte
e tortura era para ser levada a sério. Não são os Estados Unidos dos corredores
da morte e de Guantánamo. Se Assange for extraditado para os EUA sabemos que
nada do que acontecerá a partir daqui terá a ver com a Justiça e o Direito. O
que esperaria Assange nos EUA seria tão parecido com a execução legítima da
justiça como as imagens de execuções de civis no Iraque que ele tornou públicas
se assemelhavam a um ato legítimo de guerra.
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