terça-feira, 16 de abril de 2019

QUEM SE METE COM PODEROSOS LEVA



Cada vez tem mais cabimento a ideia de que o mundo está a tornar-se um lugar perigoso. Há países com regimes ditos democráticos em que as a protecção dos direitos dos cidadãos é cada vez mais reduzida e difícil se estiverem em causa interesses dos poderes constituídos. Pelo que vamos observando, até pelo que se passa em Portugal, chegamos à conclusão de que a defesa acérrima da democracia é apenas levada a cabo por organizações políticas apelidadas de “radicais”, qualificação pejorativa, para lhes tirar credibilidade.
Os contornos que envolveram a recente prisão de Julian Assange por parte das autoridades britânicas que foram autorizadas a entrar na embaixada do Equador é o mais recente episódio que prova estarmos a viver num mundo sem regras que não sejam as que são impostas pelos mais poderosos. Assange teve a coragem de revelar ao mundo crimes hediondos cuja existência a opinião pública mundial não duvida, agora, serem reais.
Caso possa vir a ter lugar a extradição de Assange para os EUA como pretende o regime de Trump, o melhor que lhe pode acontecer é passar na prisão o resto dos seus dias…
Este tema é muito bem comentado por Daniel Oliveira na crónica que assina hoje no Expresso Diário e cuja leitura completa recomendamos vivamente.

Não minto. Foi com a esperança de ser feita justiça contra o poder da arbitrariedade que recebi as primeiras denúncias da Wikileaks. Todos esperamos sempre um Robin dos Bosques. E Julian Assange, responsável pela maior fuga de infirmação da história da humanidade, tinha tudo para o ser. O que ele denunciava foram, logo a começar, bárbaros crimes de guerra em que 18 civis eram barbaramente executados. O que ele exibia era aqueles crimes que nenhum Estado, seja uma ditadura ou uma democracia, julga. Porque a guerra é a guerra e nela o Estado de Direito não pode meter o bedelho.
Não vou fazer aqui o registo da longa novela de Assange. Enquanto ele envelhecia na embaixada equatoriana o mundo foi mudando. O que parecia um movimento libertador ganhou contornos assustadores. Talvez o que aconteceu nos Estados Unidos, com o envolvimento da Rússia nas eleições norte-americanas para eleger um idiota útil, tenha ajudado a esclarecer que riscos vivemos. Nesta matéria, não tenho mais a dizer do que escrevi sobre Rui Pinto. Mas os paralelos acabam aqui. Porque tudo o que vem depois contra Assange é uma história canalha levada a cabo por criminosos e no atropelo sistemático de todas as regras. Julian Assange deve ser julgado pelos seus crimes. Mas não pode ser extraditado para os Estados Unidos.
O jornalismo que revende a propaganda mais primária, tomando os cidadãos por imbecis, explicou-nos que o Equador deixou que uma força policial estrangeira entrasse na sua embaixada para prender alguém que já tinha cidadania equatoriana porque ele não tomava banho e tratava mal os funcionários. A verdade plausível para adultos com atividade cerebral média é provavelmente a que foi dada por Rafael Correa, antecessor de Lenin Moreno. O seu sucessor, que se tem dedicado a perseguir os que no seu partido levaram a sério os compromissos eleitorais, chegou a um acordo com Mike Pence: em troca de um empréstimo de 4,2 mil milhões, o Equador arquivava um processo contra a Chevron-Texaco por um crime ambiental dos anos 90, participava no isolamento à Venezuela e permitia que as autoridades britânicas prendessem Assange e o extraditassem para os Estados Unidos. A cabeça de Assange foi comprada a um fantoche que, numa humilhação sem precedentes, transformou o asilo num estatuto intermitente disponível no mercado.
A primeira base para a detenção de Assange é a conveniente e duvidosa acusação de violação, vinda da Suécia. Apesar de temer que o objetivo seja apenas tirá-lo da toca, a acusação existe e ele deve ser julgado por isso. O que significa que deve ser extraditado para a Suécia, que lhe deve garantir todas as condições de segurança.
Ninguém de boa-fé acredita que Assange terá direito a defender-se do Estado cujos crimes ele mesmo denunciou. Os Estados Unidos têm um sistema judicial deficiente, mas nem sequer é disso que estou a falar. Neste tipo de assuntos, o sistema judicial é indiferente, como se tem visto com o limbo jurídico dos prisioneiros da famigerada “guerra ao terror”. Quando chegam a estes temas, os Estados Unidos são Guantánamo. Não há Estado de Direito para ninguém. É um milagre, aliás, que Assange ainda esteja vivo.
Agora saberemos se a promessa de não extraditar Julian Assange para um país onde haja risco de morte e tortura era para ser levada a sério. Não são os Estados Unidos dos corredores da morte e de Guantánamo. Se Assange for extraditado para os EUA sabemos que nada do que acontecerá a partir daqui terá a ver com a Justiça e o Direito. O que esperaria Assange nos EUA seria tão parecido com a execução legítima da justiça como as imagens de execuções de civis no Iraque que ele tornou públicas se assemelhavam a um ato legítimo de guerra.

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