Em cada aniversário do 25 de Abril de 1974
encontramos sempre reflexões sobre os acontecimentos daquela data e a sua
projecção para a actualidade. Alguns desencantos e lamentos vêm sempre á tona por
parte daqueles (ainda muitos) que esperavam que com a democracia trouxesse para
Portugal os valores proporcionados por este regime.
Deixamos a seguir uma interessante reflexão
de um cidadão anónimo, Manuel Miranda, que transcrevemos da edição desta
terça-feira do “Diário de Coimbra”.
Abril tão perto e já tão esquecido.
Naquela manhã o sonho saiu dos quartéis à rua levado por militares amigos com
armas de paz apontadas ao céu.
E naquela manhã acordámos para a liberdade.
Nos jornais entrou o sol e a verdade. A
noite da censura que os cobria retirou-se suja e condenada de muitos anos de
mentira.
Aos nossos ouvidos chegaram canções de
liberdade antes silenciadas. Os nossos olhos começaram a ler e a ver o que antes
não liam e não viam. Deram-nos o direito e o sonho de pão para todos, de
emprego e de habitação. Deram-nos o direito e o sonho da justiça, da saúde, da
escola para todos, sem que se olhasse a raça, etnia, classe ou incapacidade.
Houve quem de Portugal fugisse,
mal-habituados ao que viam e ouviam. descontentes que das suas carteiras bem
recheadas alguma coisa fosse retirada, para aos que nada tinha alguma coisa
fosse dada.
Os militares estavam com o sonho e com o
povo. O povo nos militares acreditava.
O tempo passou e aos poucos o sonho foi esquecido,
as recordações foram-se apagando.
Restam as saudades de um sonho que nos
entusiasmou.
Os militares recolheram. Uns ficaram
esquecidos, outros vilipendiados, outros desprezados. Também alguns voltaram às
armas que servem para matar.
Os políticos de início com o sonho
estavam. Com o tempo, muitos os sonhos esqueceram e se voltaram para o que mais
proveito lhes dava.
O dinheiro tornou-se sonho, o Deus
venerado. Muitos tornaram-se pregoeiros de promessas que sabem não ser para
cumprir.
E pelo Deus dinheiro cá entrou outra
religião. A crença que pelo dinheiro tudo se vende e tudo se compra. É a
corrupção.
Muitos vão para a governação e são muitos
os que descem da governação para as empresas. E nesse vai e torna são muitos os
que se sujam na corrupção.
A corrupção apoderou-se da honestidade,
da transparência, da verdade.
São muitas as notícias que nos chegam de
gente que por favores amigos com empréstimos ricos foram beneficiados e que
agora dizem nada ter para os empréstimos serem liquidados.
E pensávamos que a vida ia ser
diferente. Que a terra era para cultivar, para dar pão à fome que grassava.
Acreditámos em trabalho para todos. Um país sem desempregados. Acreditámos em
trabalho com direitos, sem as flexibilidades com que somos escravizados.
São professores com anos de serviço
roubados. São polícias na rua em manifestação. São enfermeiros mal pagos e
revoltados. O desespero anda generalizado.
Os impostos são exagerados. Os idosos desprezados.
Os sem abrigo na cidade à espera de caridade.
Os preços sobem. Os ordenados e pensões
há anos congelados.
A discrepância nos ordenados é
vergonhosa. Administradores ganham por dezenas dos seus trabalhadores.
São promessas não cumpridas. É a
corrupção descarada. A riqueza em poucas mãos concentrada. São bancos em falência
com dívidas para contribuinte pagar. O interior abandonado e desertificado.
Assimetrias exageradas.
são estas coisas que alimentam
populismos, que pelo mundo nascem, a ditaduras levam, ódios e perseguições
geram.
A Abril de paz queremos
voltar.
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