Sem tirar nem pôr, o chamado Programa de Emergência Social (PES) define o carácter ideológico do actual governo. Os cidadãos deixam de ser vistos como iguais perante o Estado, como é normal acontecer numa democracia, para passarem a fazer parte de grupos sociais com direitos diversos. Mas, pior que isso, é vir a aceitar-se essa situação como normal.
No artigo de opinião que a jornalista São José Almeida assina no “Público” do último sábado (13/8), são designados três “exemplos de como o PES serve à introdução de uma nova organização social baseada numa ideologia não igualitária”:
1. Os trabalhadores que recebem subsídio de desemprego têm de estar disponíveis para trabalho voluntário. A medida irá ser enquadrada na modalidade de "trabalho socialmente necessário", já prevista na lei. Mas a forma como está anunciada aponta claramente para a introdução de trabalho compulsivo como condição para receber uma prestação social que é um direito constitucional de quem trabalhou e fez descontos para a Segurança Social, o que pode colocar problemas de constitucionalidade. E acima de tudo choca pela inversão de valores que indicia. Isto porque o subsídio de desemprego não é um favor, uma esmola que o trabalhador tem que merecer e compensar. É um direito que faz parte do Estado Social e da redistribuição da riqueza por si criada enquanto trabalhador.
2. A distribuição gratuita de remédios próximos de expirar o prazo de validade a pessoas de baixos rendimentos. Aqui está a aplicação clara do conceito de esmola ao que é o direito à assistência médica e de saúde pública que a Constituição prevê. Quer seja através da recolha junto dos cidadãos dos medicamentos já não utilizados e perto do fim do prazo, quer sejam as farmacêuticas ou as farmácias a dá-las aos serviços que vão organizar o sistema, trata-se de dar os restos, os remédios que sobram dos ricos e dos remediados e da indústria farmacêutica aos pobres que deles precisam. Já agora, será que a proximidade de fim de prazo não é prejudicial à saúde de quem vai ser assim assistido na sua doença? Ou será que os pobres podem tomar remédios estragados, se entretanto o prazo expirar? Mais uma pergunta: por que não introduzir de facto a unidose dos medicamentos? Será que não há poder político com independência e coragem para fazer frente aos interesses da indústria farmacêutica desde que Leonor Beleza foi demitida por Cavaco Silva precisamente por querer mexer com os interesses das multinacionais farmacêuticas?
3. Para fazer face à fome que assola a sociedade portuguesa vai ser criada uma rede de "cantinas sociais", tudo indica que à imagem do Banco Alimentar contra a Fome que há anos funciona e bem, dirigido por Isabel Jonet. A medida seria excelente, não fora a forma preconceituosa e classista como foi anunciada. Ou seja, vão ser aligeiradas as regras de fiscalização sanitária e de segurança alimentar. Será que em Portugal a nova concepção de justiça social é mesmo a de que os pobres podem comer comida estragada, que os pobres podem apanhar salmonelas?
Está em marcha um processo de regressão social baseado numa visão assistencialista, com a distribuição de esmolas a partes significativas da população que passam a ter um estatuto diferenciado dos restantes.
No artigo de opinião que a jornalista São José Almeida assina no “Público” do último sábado (13/8), são designados três “exemplos de como o PES serve à introdução de uma nova organização social baseada numa ideologia não igualitária”:
1. Os trabalhadores que recebem subsídio de desemprego têm de estar disponíveis para trabalho voluntário. A medida irá ser enquadrada na modalidade de "trabalho socialmente necessário", já prevista na lei. Mas a forma como está anunciada aponta claramente para a introdução de trabalho compulsivo como condição para receber uma prestação social que é um direito constitucional de quem trabalhou e fez descontos para a Segurança Social, o que pode colocar problemas de constitucionalidade. E acima de tudo choca pela inversão de valores que indicia. Isto porque o subsídio de desemprego não é um favor, uma esmola que o trabalhador tem que merecer e compensar. É um direito que faz parte do Estado Social e da redistribuição da riqueza por si criada enquanto trabalhador.
2. A distribuição gratuita de remédios próximos de expirar o prazo de validade a pessoas de baixos rendimentos. Aqui está a aplicação clara do conceito de esmola ao que é o direito à assistência médica e de saúde pública que a Constituição prevê. Quer seja através da recolha junto dos cidadãos dos medicamentos já não utilizados e perto do fim do prazo, quer sejam as farmacêuticas ou as farmácias a dá-las aos serviços que vão organizar o sistema, trata-se de dar os restos, os remédios que sobram dos ricos e dos remediados e da indústria farmacêutica aos pobres que deles precisam. Já agora, será que a proximidade de fim de prazo não é prejudicial à saúde de quem vai ser assim assistido na sua doença? Ou será que os pobres podem tomar remédios estragados, se entretanto o prazo expirar? Mais uma pergunta: por que não introduzir de facto a unidose dos medicamentos? Será que não há poder político com independência e coragem para fazer frente aos interesses da indústria farmacêutica desde que Leonor Beleza foi demitida por Cavaco Silva precisamente por querer mexer com os interesses das multinacionais farmacêuticas?
3. Para fazer face à fome que assola a sociedade portuguesa vai ser criada uma rede de "cantinas sociais", tudo indica que à imagem do Banco Alimentar contra a Fome que há anos funciona e bem, dirigido por Isabel Jonet. A medida seria excelente, não fora a forma preconceituosa e classista como foi anunciada. Ou seja, vão ser aligeiradas as regras de fiscalização sanitária e de segurança alimentar. Será que em Portugal a nova concepção de justiça social é mesmo a de que os pobres podem comer comida estragada, que os pobres podem apanhar salmonelas?
Está em marcha um processo de regressão social baseado numa visão assistencialista, com a distribuição de esmolas a partes significativas da população que passam a ter um estatuto diferenciado dos restantes.
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