Nada melhor do que se saber a opinião de um investigador em alterações climáticas para aquilatarmos sobre o que realmente se passa relativamente às concessões petrolíferas entregues “por negociação directa ao empresário Sousa Cintra”, 10 dias antes das últimas eleições legislativas. E a informação que João Camargo (*) colocou hoje em artigo de opinião no Público (a seguir) não é de molde a deixar sossegados os portugueses em geral, e os algarvios em particular. Por incúria, por incompetência ou por pura intenção de favorecimento do empresário Sousa Cintra, a verdade é que a pressa de se colocar com dono as concessões petrolíferas, constituirá um colossal prejuízo para o país, caso não seja possível inverter a situação. Jorge Moreira da Silva actuou como um autêntico ministro do petróleo, ainda por cima sem acautelar minimamente os interesses de Portugal. Com um currículo destes não se percebe como foi possível que o ex-ministro do ambiente de Passos Coelho se tenha candidatado a um cargo na ONU nesta área. Usando uma expressão comum, seria como colocar uma raposa de guarda a um galinheiro…
Jorge
Moreira da Silva, ex-ministro do Ambiente, foi ouvido em audição conjunta das
comissões de Ambiente e de Economia e mostrou aquilo de que se faz um ministro
do Petróleo: desinformação, manipulação e engano. O assunto eram as duas
concessões petrolíferas entregues por negociação directa ao empresário Sousa
Cintra, a 10 dias das eleições legislativas. A dimensão das concessões,
atravessando 14 dos 16 municípios algarvios e compreendendo 2300 km quadrados,
é imponente: trata-se de mais de metade da área terrestre do Algarve.
Moreira
da Silva fez-se acompanhar do ex-secretário de Estado da Energia, Artur
Trindade, numa audição que ficou marcada pela repetição por parte do
ex-ministro de que os contratos assinados seriam apenas para sondagem e
mapeamento e não para produção petrolífera. Ora, segundo o contrato, disponível
no site da Entidade Nacional para os Mercados de Combustíveis “é atribuída uma
concessão de direitos de prospecção, pesquisa, desenvolvimento e produção de
petróleo, na sequência de negociação directa, à empresa Portfuel”. Em qualquer
altura da vigência do contrato a concessionária pode apresentar um plano geral
de produção, que acrescerá aos dez anos iniciais, mais 25 anos (que poderão ser
ainda estendidos por mais 15). Isto significa uma concessão de 50 anos. Mesmo
no que diz respeito ao muito invocado “conhecimento dos recursos geológicos”
que guiaria a altruística e segura operação de sondagem, não foi possível
esclarecer-se quem ficaria com o conhecimento, já que está no contrato a
confidencialidade das descobertas, que devem ficar pelo menos cinco anos em
absoluto segredo.
As
suspeitas em relação ao favorecimento do empresário Sousa Cintra foram
contestadas por Moreira da Silva, que se defendeu alegando ser o autor de um
embargo à casa do empresário há dez anos. Provavelmente a mesma casa onde hoje
Sousa Cintra vive, nas dunas de uma das poucas praias do Algarve que não está
concessionada para exploração de petróleo. A idoneidade da Portfuel foi
garantida na audição, embora se desconheça como foi possível passar os
requisitos dos balanços financeiros dos três anos anteriores (a Portfuel ainda
não tem três anos e o seu capital social é de 50 mil euros) e da experiência do
pessoal em actividade petrolíferas (a Portfuel não tinha pessoal). No caso das
concessões de Pombal e da Batalha, repete-se este problema com a concessionária
Australis.
As
concessões em Aljezur e Tavira renderão ao Estado, de forma fixa, 12 milhões de
euros ao longo de 50 anos, calculados por uma renda anual de 120€ por
quilómetro quadrado, isto é, 23 mil euros por mês pela possibilidade de
explorar mais de metade da área terrestre do Algarve. Na Noruega a renda é de
4340 € por quilómetro quadrado. Na remuneração variável o assunto piorou. Artur
Trindade disse em audiência que os “royalties” presentes nos contratos estariam
em linha com países como a Irlanda, o que não se verifica. Na Irlanda paga-se à
cabeça um imposto de 5%. Depois há um novo imposto que pode chegar a 55% da
produção. No final, há um imposto especial de 25% sobre os lucros petrolíferos.
Na concessão da Portfuel cobrar-se-á 3% dos primeiro 5 milhões de barris, 6%
dos 5 milhões seguintes e a partir daí 8%. E nada mais. Além disso, o Estado só
começará a cobrar depois de estarem pagos todos os investimentos de prospecção
e de produção da concessionária. Um contrato de exploração de petróleo digno de
um país do Terceiro Mundo nos anos 50.
Moreira
da Silva defendeu o seu legado de 20 anos no combate às alterações climáticas,
não sendo no entanto capaz de explicar como compatibiliza aumentar a exploração
de combustíveis fósseis com reduzir as emissões de gases com efeito de estufa.
Gaseificado o seu legado, o ex-ministro acabou por invocar uma cabala política
contra si e uma opinião pública manipulada por forças ocultas, que identificou
serem lideradas por estrangeiros reformados que vivem no Algarve e que querem
que a região se mantenha uma “reserva de índios” contra o interesse das
populações locais que querem petróleo e fracking.
Ora, as populações do país não querem saber se Jorge Moreira da Silva quer ser
presidente da Câmara de Lisboa, presidente do PSD, primeiro-ministro ou
presidente da República. Querem saber porque é que as suas terras e os seus
mares foram entregues por um tuta e meia para uma actividade suja e em
regressão.
No
avolumar de contrariedades aos contratos assinados por si, o ex-ministro
invocou, e bem, os restantes contratos assinados nos últimos dez anos,
nomeadamente pelo ex-ministro do PS Manuel Pinho, que assustam populações pelo
país inteiro: em Peniche, no mar do Algarve, no mar da costa alentejana. Todos
estes contratos violam grosseiramente a legislação europeia e a Constituição da
República, e baseiam-se num decreto-lei arcaico, assinado durante o governo de
Cavaco Silva pelo então Ministro da Indústria e Energia, Mira Amaral. O
decreto-lei 109/94 já era retrógrado em 1994. Hoje é um fóssil. Talvez seja por
isso que Moreira da Silva o explore, defendendo e escudando-se sempre no mesmo
para defender o indefensável: promover, enquanto ministro do Ambiente e num
contexto de crise ambiental global das alterações climáticas, a exploração de
combustíveis fósseis fora do escrutínio público, sem avaliação ambiental prévia
e em contornos opacos. Comportou-se sempre como o ministro do Petróleo e
defendeu esse ministério sem hesitar.
(*)
Investigador em alterações
climáticas, deputado municipal do Bloco de Esquerda na Amadora, activista
social
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