Continuam
a fazer correr muita tinta as alterações ao financiamento do ensino privado com
dinheiros públicos. Levantou-se uma intensa polémica sem justificação aparente
dado que estamos perante uma situação que vai afectar, como tem sido
sobejamente salientado, uma pequena percentagem de escolas privadas (3%), ou
seja, 79 escolas num universo de 2628. Maldosamente fez-se crer à opinião
pública que se estava perante um ataque a todo o ensino privado. Como se pode
observar pelos números, nada mais falso já que nem sequer se está perante
qualquer ataque às escolas com contrato de associação. Trata-se apenas de repor
alguma racionalidade nos gastos do dinheiro de todos nós, numa altura em que
ele é tão escasso. Tudo está perfeitamente explicado mas a verdade é que
estamos perante forças muito poderosas que não querem abdicar de privilégios
indevidamente concedidos, à custa do esbanjamento do dinheiro dos
contribuintes.
Achámos
interessante divulgar aqui a opinião de sociólogos da educação (*) de 8
universidades – gente que sabe do que fala quando aborda esta temática.
Pensamos que é uma contribuição importante para esclarecer quem ainda poderá
manter dúvidas.
As
mudanças no financiamento público ao ensino privado suscitaram, nos últimos
dias, um debate intenso no espaço público. Consideramos importante que tal
discussão seja informada pela investigação científica que se tem realizado
sobre o tema.
Existem
países onde o Estado financia apenas as escolas públicas e outros em que
financia escolas públicas e privadas. As comparações são inconclusivas quanto
ao modelo mais eficiente ou mais igualitário. Nem sequer existe uma tendência
internacional. Mas sabemos que uma alteração abrupta de um modelo público para
outro de mercado tem custos económicos avultados no curto prazo e, como ocorreu
na Suécia recentemente, pode ter resultados decepcionantes, nomeadamente, no
desempenho em provas internacionais.
Os
estudos têm mostrado também que, em Portugal, a proporção de alunos imigrantes,
com necessidades educativas especiais ou em situação de pobreza nos colégios
privados é menor, mesmo naqueles com contratos de associação, o que pressupõe
alguma seleção na admissão dos alunos. E, neutralizando as condições
socioeconómicas das famílias, os alunos das escolas privadas não têm revelado
mais competências do que aqueles que frequentam a rede pública.
A
Constituição da República Portuguesa define, no artigo 75º, que: “1. O Estado
criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as
necessidades de toda a população; 2. O Estado reconhece e fiscaliza o ensino
particular e cooperativo, nos termos da lei”. Esta formulação apresenta uma
clara orientação para o primeiro modelo, tendo os contratos de associação sido
criados para suprir carências da oferta pública, em determinados territórios e
períodos de tempo. Além de uma revisão constitucional, a mudança para uma
política de “livre escolha” implicaria subsidiar todas as outras crianças e
jovens que estão em colégios privados, o que significaria, desde logo, um
acréscimo de cerca de 20% no Orçamento para a Educação.
O
que ocorreu é que alguns colégios privados, através de relações pouco claras
com autarcas, direções-regionais e/ou governantes, conseguiram captar
financiamento do Estado em territórios em que a oferta pública é suficiente ou,
em alguns casos, fizeram perdurar os contratos de associação, quando a criação
de escolas públicas nas imediações ou as mudanças demográficas os tornaram
redundantes.
Passados
vários anos de uma política austeritária que impôs enormes cortes no
financiamento à educação pública, provocando fechos de escolas, reduções do
pessoal e um estreitamento dos currículos, grande parte da opinião pública tem
dificuldade em aceitar que se acuse de ilegítimo e radical uma política de
racionalização e igualdade, evitando desperdícios anuais de milhões de euros ao
erário público. Aliás, é o modelo de competição entre escolas públicas e
privadas, ambas financiadas pelo Estado, que gera maior instabilidade,
obrigando a despedimentos e a remodelações sucessivas, em função do número
variável de crianças que se inscreve em cada escola.
A
liberdade na educação não significa, necessariamente, o direito de os pais
colocarem os filhos num colégio privado sem pagar mensalidades. A segregação
das crianças e jovens por escolas distintas, em função das convicções dos pais
e das estratégias das próprias escolas, não garante uma educação (nem uma
sociedade) melhor. A liberdade na educação pode ser todas as crianças e jovens
frequentarem escolas de qualidade, onde a diferença seja aceite e valorizada,
onde as desigualdades e exclusões sejam combatidas, onde tenham experiências
pedagógicas e curriculares diversificadas, onde escolham atividades e
aprendizagens que correspondam aos seus interesses, gostos, necessidades, talentos,
aspirações...
Neste
sentido, esperamos que a poupança de recursos que resulte desta política seja
efetivamente investida em promover a qualidade das escolas públicas. Ou seja,
que esse investimento seja dirigido para o combate às desigualdades e para a
promoção da liberdade na educação, através de metodologias, conteúdos e
atividades que reconheçam a diversidade das crianças e dos jovens.
(*) Pedro
Abrantes, Maria José Casanova, Ana Matias Diogo, Bruno Dionísio, João Teixeira
Lopes, Susana da Cruz Martins, Rosário Mauritti, Benedita Portugal e Melo, José
Augusto Palhares, Maria Luísa Quaresma, Cristina Roldão, Teresa Seabra, João
Sebastião, Sofia Marques da Silva, Leonor Lima Torres, Público
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