Alguns
anos atrás, um conhecido estabelecimento de ensino particular situado no
barlavento algarvio publicitava (não sabemos se ainda acontece) nas salas de
cinema existentes num centro comercial de Portimão, 99% de sucesso entre os
seus alunos. Nessa altura ainda, muita gente desconhecedora da realidade talvez
fosse levada no engodo dessa informação. O facto é que aquele valor, embora com
algum exagero, talvez não estivesse muito longe da verdade. No entanto, muitas
escolas e professores da região conhecem bem a explicação para aquele
proclamado sucesso. E é bem simples: os alunos do estabelecimento de ensino
particular acima referido, que apresentavam problemas de aproveitamento e/ou
comportamento, eram, pura e simplesmente “convidados” a sair. E para onde iam?
Como é óbvio, para uma escola pública porque esta não recusa qualquer aluno.
Esta
é uma pequena achega para juntar ao texto seguinte, um artigo de opinião de Joana
Mortágua (*) que transcrevemos do Público de hoje, sobre os designados
contratos de associação.
Não
deixa de ser engraçado que Pedro Passos Coelho tenha escolhido as palavras
“transparência” e “ensino público de qualidade” para atacar alterações aos
contratos de associação que vão produzir – imagine-se – mais transparência e
ensino público de qualidade. Confuso? É normal, este debate tem sido insuflado
por falsas polémicas, argumentos contraditórios e inverdades alarmistas. Vamos
a elas.
Comecemos
pelas liberdades e obrigações. Há 40 anos a Constituição passou a obrigar o
Estado a criar uma rede de estabelecimentos públicos de educação que cubra as
necessidades de toda a população. Os constituintes acharam, e bem, que era a
única forma de garantir o direito à educação em condições de igualdade.
Preferir o modelo da iniciativa privada seria assumir que se conservaria em
democracia uma das maiores iniquidades da ditadura.
A
mesma constituição reconheceu a liberdade de criar e frequentar escolas
cooperativas, privadas ou confessionais. Isto quer dizer que a única coisa que
impede a liberdade de um aluno frequentar um colégio privado é a liberdade do
colégio para não o aceitar. Essa liberdade deve ser respeitada, mas a obrigação
do Estado não é financiar a existência das escolas que surgem por iniciativa
privada, é garantir que existem em todo o país Escolas de qualidade que não
recusam ninguém. A obrigação do Estado é a Escola Pública.
Os
contratos de associação decorrem desta obrigação. Quando o Estado identifica
uma área onde a oferta pública não é suficiente, paga a um colégio para receber
os alunos que não tiveram vaga na Escola Pública. Não se trata de liberdade de
escolha das famílias, porque é o Estado quem identifica as carências e escolhe
os colégios.
Há
escolas privadas que exercem este serviço público de forma exemplar,
compreendendo que o financiamento que recebem não é um subsidio à sua
existência, mas o justo pagamento de um serviço que prestam ao Estado. Porém,
ao longo do tempo, a transparência sobre a justificação de cada um destes
contratos desapareceu.
Em
2015, o Governo de Pedro Passos Coelho abriu um “concurso” para os inícios de
ciclo (5.º, 7.º e 10.º) em que determinou, em cada freguesia, o número de
turmas a abrir. Como o fez não sabemos, mas gostaríamos de supor que tenha sido
com base na carência de oferta pública e não por outras razões. A medida não
desagradou aos colégios que, na sua imensa maioria, são os únicos na respetiva
freguesia e viram serem-lhe atribuídas as turmas pretendidas sem terem de se
inquietar com a concorrência.
O
Ministério da Educação veio agora clarificar critérios relativamente à abertura
de turmas de início de ciclos para 2016/2017, dizendo duas coisas: primeiro, se
a justificação do contrato é a carência naquela freguesia então os colégios não
podem percorrer o concelho ou o distrito para ir buscar alunos que têm vaga na
Escola Pública e desta forma abrirem mais turmas pagas a 80.500 euros cada. Ou
seja, não vale desviar alunos da escola pública para receber mais dinheiro do
Estado. Segunda, a determinação do número de turmas a abrir em cada início de
ciclo não depende de qualquer mão invisível, mas da análise das carências
existentes na respetiva freguesia. Ou seja, os contratos de associação não são
uma renda garantida a determinados colégios só porque sim.
A
maior falta de “transparência” e de rigor sobre os dinheiros públicos é terem
sido atribuídas dezenas de turmas a colégios de Coimbra quando as Escolas
Públicas têm capacidade para mais de 30 turmas. O maior ataque ao “ensino
público de qualidade” é milhões de euros dos nossos impostos estarem a ser
desviados da Escola Pública para os colégios privados.
Infelizmente,
Coimbra não é exceção. Há dezenas de Escolas Públicas a esvaziarem-se de alunos
e a despedirem pessoas enquanto o Estado paga 80.500 euros ao privado para
aceitar cada turma que tem lugar na escola pública por menos 30 mil euros. O
abuso sai-nos caro está a destruir a Escola Pública.
As
garantias estão dadas: nenhuma criança abandonará a sua turma a meio do ciclo,
apenas se adotaram critérios mais responsáveis sobre a abertura de novas turmas
de início de ciclo. Só deixarão de ser abertas aquelas em que as crianças
tenham lugar numa Escola perto de si e com qualidade.
Desmistificados
os argumentos só podemos concluir que todo o ruído é para calar uma verdade
simples: o Estado tem andado a pagar uma renda de milhões aos donos de colégios
privados sem qualquer razão. O motivo da indignação? Querermos acabar com este
abuso.
(*)
Deputada do Bloco de Esquerda
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