sexta-feira, 10 de março de 2017

CETA: É MELHOR QUE LHE PRESTEMOS BASTANTE ATENÇÃO



O seguinte artigo de opinião da autoria da deputada do Bloco de Esquerda, Isabel Pires (*), sobre o CETA (Acordo Económico e Comercial Global) afirma em poucas palavras aquilo que todos nós precisamos saber sobre um tratado cujos únicos verdadeiros beneficiários são as empresas multinacionais e seus acólitos, revertendo o prejuízo total para as populações europeias. De uma penada, a nossa qualidade de vida, com grandes reflexos, por exemplo na saúde, pode ser alterada, muito provavelmente de forma irreversível se as instituições representativas dos povos europeus não se opuserem de forma determinante. Para esse efeito, é fundamental uma forte mobilização das populações para evitar que venhamos a ser governados – é o termo – em prol das grandes multinacionais e dos seus escabrosos interesses. A prova mais evidente da marosca que anda à volta do CETA, é ele ter sido negociado à porta fechada “mas em estreita articulação com as multinacionais”.
Se fossemos sublinhar as partes mais importantes deste artigo, sublinhá-lo-íamos do princípio ao fim, tão fundamental é tudo o que lá está dito.
Algumas pessoas podem já ter ouvido falar num acordo comercial e de investimento entre a União Europeia (UE) e o Canadá. Devem ter ficado com a impressão que é dos mais transparentes até hoje negociados, que trará melhorias económicas e criação de emprego a níveis extraordinários. Dá-se pelo nome de CETA (Acordo Económico e Comercial Global) e é melhor que lhe prestemos bastante atenção.
Apesar de revestido com uma capa charmosa, o seu conteúdo é corrosivo para a democracia. Foi negociado durante oito anos à porta fechada, sem possibilidade de escrutínio por parte dos cidadãos e dos seus representantes eleitos, mas em estreita articulação com as multinacionais.
Sugiro que façamos um exame a este tratado e que o comecemos pelo que os seus entusiastas dizem ser a sua grande mais valia: o crescimento da economia e do emprego. Um estudo, encomendado pela própria Comissão Europeia, revela que o crescimento esperado, em sete anos, será de (apenas!) 0,08% do PIB da UE. Em relação ao emprego, vários estudos apontam para uma perda potencial de 200 mil postos de trabalho em toda a União. Mas, se o crescimento económico é residual e as ameaças ao emprego são superiores às garantias, o que encanta os seus defensores?
A Europa é a região do mundo onde os padrões ambientais e de segurança alimentar são mais elevados. Um aborrecimento para as multinacionais, ou um pesado custo de contexto, dirão eufemisticamente outros. É a partir daqui que se torna mais claro para quem o acordo é um apetecível pote de mel.
O CETA propõe-se eliminar todas as taxas aduaneiras relevantes, harmonizar por baixo padrões ambientais e de segurança alimentar e escancarar a porta para que se possam incumprir regras e metas de combate às alterações climáticas ainda recentemente traçadas. Ou, para demonstrar um caso bem concreto, estende o tapete vermelho às prateleiras dos nossos supermercados à carne canadiana produzida com hormonas e OGM’s, hoje absolutamente proibidas na UE
Se a vontade de terraplanar anos de evolução legislativa para proteger consumidores e o meio ambiente é merecedora de apreensão, a transferência de soberania popular e democrática de instituições eleitas para os conselhos de administração dos grandes grupos económicos é ainda mais assustador. Não exagero ao dizer que o CETA vai golpear por via legislativa o Estado de direito democrático como o concebemos na Europa desde o pós Segunda Guerra Mundial.
O tratado cria um conjunto de disposições que limitam radicalmente o poder legislativo dos países, em todas as matérias que possam ser considerados fora do “espírito do acordo”. Leia-se, tudo o que possa beliscar os interesses das multinacionais, onde se incluem o que nos habituamos a conhecer como direitos sociais e laborais, proteção ambiental ou saúde pública.
O CETA institui um tribunal arbitral privado que se coloca acima do ordenamento jurídico europeu e torna as multinacionais praticamente plenipotenciárias. Se uma dada lei for considerada prejudicial ao investimento ou aos lucros “expectáveis” das grandes empresas, o Estado será processado, não podendo sequer recorrer ao Tribunal Europeu de Justiça - único órgão judicial reconhecido pela legislação europeia.
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A criação de tribunais arbitrais para resolução de litígios não é uma metodologia nova, mas com o acordo ganha contornos nunca antes vistos na Europa. Vejamos mais um exemplo: com o CETA, os países pensarão duas vezes antes de legislarem sobre políticas públicas antitabágicas, por exemplo, pois correrão o risco de serem duramente multados por interferirem nos lucros das tabaqueiras.
Apesar de já ter sido aprovado no Conselho e Parlamento europeus, ainda vamos a tempo de travar este desastroso acordo. Agora é a vez de os parlamentos de cada Estado-Membro se pronunciarem. A nível nacional não se podem repetir os mesmos erros. Têm que prevalecer os direitos dos cidadãos sobre a ganância das multinacionais. Resgatar a democracia está nas nossas mãos.
(*) Público

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