O seguinte
artigo de opinião da autoria da deputada do Bloco de Esquerda, Isabel Pires (*),
sobre o CETA (Acordo Económico e Comercial Global) afirma em poucas palavras aquilo
que todos nós precisamos saber sobre um tratado cujos únicos verdadeiros
beneficiários são as empresas multinacionais e seus acólitos, revertendo o
prejuízo total para as populações europeias. De uma penada, a nossa qualidade
de vida, com grandes reflexos, por exemplo na saúde, pode ser alterada, muito
provavelmente de forma irreversível se as instituições representativas dos
povos europeus não se opuserem de forma determinante. Para esse efeito, é
fundamental uma forte mobilização das populações para evitar que venhamos a ser
governados – é o termo – em prol das grandes multinacionais e dos seus
escabrosos interesses. A prova mais evidente da marosca que anda à volta do
CETA, é ele ter sido negociado à porta fechada “mas em
estreita articulação com as multinacionais”.
Se
fossemos sublinhar as partes mais importantes deste artigo, sublinhá-lo-íamos
do princípio ao fim, tão fundamental é tudo o que lá está dito.
Algumas pessoas podem já ter ouvido
falar num acordo comercial e de investimento entre a União Europeia (UE) e o
Canadá. Devem ter ficado com a impressão que é dos mais transparentes até hoje
negociados, que trará melhorias económicas e criação de emprego a níveis
extraordinários. Dá-se pelo nome de CETA (Acordo Económico e Comercial Global)
e é melhor que lhe prestemos bastante atenção.
Apesar de revestido com uma capa
charmosa, o seu conteúdo é corrosivo para a democracia. Foi negociado durante
oito anos à porta fechada, sem possibilidade de escrutínio por parte dos
cidadãos e dos seus representantes eleitos, mas em estreita articulação com as
multinacionais.
Sugiro que façamos um exame a este
tratado e que o comecemos pelo que os seus entusiastas dizem ser a sua grande
mais valia: o crescimento da economia e do emprego. Um estudo, encomendado pela
própria Comissão Europeia, revela que o crescimento esperado, em sete anos,
será de (apenas!) 0,08% do PIB da UE. Em relação ao emprego, vários estudos
apontam para uma perda potencial de 200 mil postos de trabalho em toda a União.
Mas, se o crescimento económico é residual e as ameaças ao emprego são
superiores às garantias, o que encanta os seus defensores?
A Europa é a região do mundo onde os
padrões ambientais e de segurança alimentar são mais elevados. Um aborrecimento
para as multinacionais, ou um pesado custo de contexto, dirão eufemisticamente
outros. É a partir daqui que se torna mais claro para quem o acordo é um
apetecível pote de mel.
O CETA propõe-se eliminar todas as taxas
aduaneiras relevantes, harmonizar por baixo padrões ambientais e de segurança
alimentar e escancarar a porta para que se possam incumprir regras e metas de
combate às alterações climáticas ainda recentemente traçadas. Ou, para
demonstrar um caso bem concreto, estende o tapete vermelho às prateleiras dos
nossos supermercados à carne canadiana produzida com hormonas e OGM’s, hoje
absolutamente proibidas na UE
Se a vontade de terraplanar anos de
evolução legislativa para proteger consumidores e o meio ambiente é merecedora
de apreensão, a transferência de soberania popular e democrática de
instituições eleitas para os conselhos de administração dos grandes grupos
económicos é ainda mais assustador. Não exagero ao dizer que o CETA vai golpear
por via legislativa o Estado de direito democrático como o concebemos na Europa
desde o pós Segunda Guerra Mundial.
O tratado cria um conjunto de
disposições que limitam radicalmente o poder legislativo dos países, em todas
as matérias que possam ser considerados fora do “espírito do acordo”. Leia-se,
tudo o que possa beliscar os interesses das multinacionais, onde se incluem o
que nos habituamos a conhecer como direitos sociais e laborais, proteção ambiental
ou saúde pública.
O CETA institui um tribunal arbitral
privado que se coloca acima do ordenamento jurídico europeu e torna as
multinacionais praticamente plenipotenciárias. Se uma dada lei for considerada
prejudicial ao investimento ou aos lucros “expectáveis” das grandes empresas, o
Estado será processado, não podendo sequer recorrer ao Tribunal Europeu de
Justiça - único órgão judicial reconhecido pela legislação europeia.
A criação de tribunais arbitrais para
resolução de litígios não é uma metodologia nova, mas com o acordo ganha
contornos nunca antes vistos na Europa. Vejamos mais um exemplo: com o CETA, os
países pensarão duas vezes antes de legislarem sobre políticas públicas
antitabágicas, por exemplo, pois correrão o risco de serem duramente multados
por interferirem nos lucros das tabaqueiras.
Apesar de já ter sido aprovado no
Conselho e Parlamento europeus, ainda vamos a tempo de travar este desastroso
acordo. Agora é a vez de os parlamentos de cada Estado-Membro se pronunciarem.
A nível nacional não se podem repetir os mesmos erros. Têm que prevalecer os
direitos dos cidadãos sobre a ganância das multinacionais. Resgatar a
democracia está nas nossas mãos.
(*) Público
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