domingo, 19 de março de 2017

“RADICAIS”, “PERIGOSOS” E “POPULISTAS” POR DAREM VOZ ÀQUELES QUE NÃO TÊM VOZ


A designação “esquerda radical” foi criada e é usada em sentido pejorativo para designar os sectores da esquerda que não se vergaram ao radicalismo – esse sim verdadeiro – da actual fase do sistema capitalista. Esta esquerda, cujos principais representantes em Portugal são o PCP e o Bloco de Esquerda, constitui um poderoso obstáculo à implementação de muitas políticas neoliberais defendidas pela direita e por alguns sectores do PS e que, por experiência própria, sabemos que conduzem à perda de direitos e ao empobrecimento da maioria da população.
Na campanha levada a cabo pela direita e seus representantes na comunicação social a “esquerda radical” também é mimoseada com outros qualificativos como “populista” e “perigosa” por não aceitar, por exemplo, a destruição do Estado Social e do Serviço Nacional de Saúde e defender a renegociação da dívida do Estado assim como salários e pensões dignos, tudo o que é contrário à doutrina neoliberal.  
É à volta desta ideia que gira o texto seguinte assinado pelo Assistente Social José António Pinto que transcrevemos do Público de ontem.
Começo a ficar preocupado. Não consigo decifrar o conceito político de esquerda radical. Os ideólogos que defendem todos os dias a vinda rápida do diabo para o palco da política nacional consideram a esquerda radical populista e perigosa. Estes construtores de opinião utilizam todas as suas ferramentas intelectuais para incutirem nos cidadãos a ideia de que a esquerda radical tem propostas e soluções políticas que são poesia, irrealistas, utópicas, completamente desligadas do contexto europeu e do resto do mundo.
A esquerda radical é populista e perigosa porque não aceita contaminar o discurso político com questões técnicas. Um bom exemplo disso é o da renegociação da dívida. É muito técnico e complexo e, por isso, é aconselhável não mexer. O PS ainda não venceu este constrangimento. Mesmo assim, este tema tem mais de político do que de técnico. Sem renegociação da dívida não vamos poder continuar a respirar. Sem os recursos da dívida e dos seus juros não há possibilidade de dignificar os serviços públicos, não há dinheiro para reforçar o Estado Social, aumentar salários, pensões e prestações sociais, apoiar as pequenas e médias empresas, melhorar os serviços públicos de saúde e educação, construir equipamentos sociais ou outras infra-estruturas necessárias ao desenvolvimento do país.
A esquerda radical é populista e perigosa porque não aceita casar-se com o social liberalismo. Com esta coabitação seria mais difícil aumentar o salário mínimo. Os que consideram a esquerda radical populista e perigosa ainda acreditam que a competitividade das empresas depende dos baixos salários e da miséria das remunerações que não retiram da pobreza sequer os que estão empregados.
A esquerda radical é populista e perigosa porque não aceita a doutrina da submissão ao directório económico de Bruxelas que nos impõe o encerramento de serviços, despedimentos, privatizações, desregulamentação das leis do trabalho, cortes nas pensões e salários, aumento de impostos, destruição do Estado Social. Tudo isto para pagar a falência dos bancos privados.
A esquerda radical é populista e perigosa porque só serve para protestar. O caminho de abertura para iniciar reformas estruturantes para o país está condicionado. Mas de que reformas falamos? Privatizar a segurança social? Mexer na Constituição para dar mais benefícios, privilégios e regalias ao grande capital? Privatizar a Caixa Geral de Depósitos?
A esquerda radical é populista e perigosa porque amedronta o investimento estrangeiro. Sem investimento não há criação de riqueza e emprego. Muito bem, concordo. Mas o que dizem as estatísticas é que, em 2016, o crescimento da economia foi de 1,4%, tendo ultrapassado as previsões do governo e de Bruxelas.
O que é perigoso é existirem 116 mil vínculos precários no Estado. O que é perigoso é existirem mais de quatro mil famílias à espera de uma habitação social, o que é perigoso é ainda existirem cantinas sociais para matar a fome diária a mais de 38 mil pessoas, o que é perigoso é a chuva que cai nas salas de aula de muitas escolas. O que é perigoso é existir mais de um milhão de idosos com pensão inferior a 230 euros mensais, mais de 600 pessoas a viver nas ruas de Lisboa sem qualquer tipo de apoio institucional, rendas agiotas que o Estado tem de pagar pelas parcerias público-privadas nos contratos das rodovias e da gestão hospitalar. O que é perigoso é defender a caducidade da contratação colectiva.
A esquerda radical é populista e perigosa porque acredita na acção colectiva organizada dos cidadãos para conquistar direitos e bem-estar social. A esquerda radical é populista e perigosa porque não desiste da luta de classes, não aceita que a vida das pessoas seja menos importante do que a dos mercados. A esquerda radical é populista e perigosa porque não aceita hipotecar a felicidade das pessoas numa taxa de juro ou numa anotação de uma agência de rating. A esquerda radical é populista e perigosa porque não aceita, não se conforma nem acha normal os vampiros comerem tudo e não deixarem nada.

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