A
designação “esquerda radical” foi criada e é usada em sentido pejorativo para
designar os sectores da esquerda que não se vergaram ao radicalismo – esse sim
verdadeiro – da actual fase do sistema capitalista. Esta esquerda, cujos
principais representantes em Portugal são o PCP e o Bloco de Esquerda,
constitui um poderoso obstáculo à implementação de muitas políticas neoliberais
defendidas pela direita e por alguns sectores do PS e que, por experiência própria,
sabemos que conduzem à perda de direitos e ao empobrecimento da maioria da
população.
Na
campanha levada a cabo pela direita e seus representantes na comunicação social
a “esquerda radical” também é mimoseada com outros qualificativos como “populista”
e “perigosa” por não aceitar, por exemplo, a destruição do Estado Social e do
Serviço Nacional de Saúde e defender a renegociação da dívida do Estado assim
como salários e pensões dignos, tudo o que é contrário à doutrina neoliberal.
É
à volta desta ideia que gira o texto seguinte assinado pelo Assistente Social José
António Pinto que transcrevemos do Público de ontem.
Começo a ficar preocupado. Não consigo
decifrar o conceito político de esquerda radical. Os ideólogos que defendem
todos os dias a vinda rápida do diabo para o palco da
política nacional consideram a esquerda radical populista e perigosa.
Estes construtores de opinião utilizam todas as suas ferramentas intelectuais
para incutirem nos cidadãos a ideia de que a esquerda radical tem propostas e
soluções políticas que são poesia, irrealistas, utópicas, completamente
desligadas do contexto europeu e do resto do mundo.
A esquerda radical é populista e
perigosa porque não aceita contaminar o discurso político com questões
técnicas. Um bom exemplo disso é o da renegociação da dívida. É muito técnico e
complexo e, por isso, é aconselhável não mexer. O PS ainda não venceu este
constrangimento. Mesmo assim, este tema tem mais de político do que de
técnico. Sem renegociação da dívida não vamos poder continuar a respirar. Sem
os recursos da dívida e dos seus juros não há possibilidade de dignificar os
serviços públicos, não há dinheiro para reforçar o Estado Social, aumentar
salários, pensões e prestações sociais, apoiar as pequenas e médias
empresas, melhorar os serviços públicos de saúde e educação, construir
equipamentos sociais ou outras infra-estruturas necessárias ao desenvolvimento
do país.
A esquerda radical é populista e
perigosa porque não aceita casar-se com o social liberalismo. Com esta
coabitação seria mais difícil aumentar o salário mínimo. Os que consideram a
esquerda radical populista e perigosa ainda acreditam que a competitividade das
empresas depende dos baixos salários e da miséria das remunerações que não
retiram da pobreza sequer os que estão empregados.
A esquerda radical é populista e
perigosa porque não aceita a doutrina da submissão ao directório económico de
Bruxelas que nos impõe o encerramento de serviços, despedimentos,
privatizações, desregulamentação das leis do trabalho, cortes nas pensões e
salários, aumento de impostos, destruição do Estado Social. Tudo isto para
pagar a falência dos bancos privados.
A esquerda radical é populista e
perigosa porque só serve para protestar. O caminho de abertura para iniciar
reformas estruturantes para o país está condicionado. Mas de que reformas
falamos? Privatizar a segurança social? Mexer na Constituição para dar mais
benefícios, privilégios e regalias ao grande capital? Privatizar a Caixa Geral
de Depósitos?
A esquerda radical é populista e
perigosa porque amedronta o investimento estrangeiro. Sem investimento não há
criação de riqueza e emprego. Muito bem, concordo. Mas o que dizem as
estatísticas é que, em 2016, o crescimento da economia foi de 1,4%, tendo
ultrapassado as previsões do governo e de Bruxelas.
O que é perigoso é existirem 116 mil
vínculos precários no Estado. O que é perigoso é existirem mais de quatro
mil famílias à espera de uma habitação social, o que é perigoso é ainda
existirem cantinas sociais para matar a fome diária a mais de 38 mil pessoas, o
que é perigoso é a chuva que cai nas salas de aula de muitas escolas. O que é
perigoso é existir mais de um milhão de idosos com pensão inferior a 230 euros
mensais, mais de 600 pessoas a viver nas ruas de Lisboa sem qualquer tipo de
apoio institucional, rendas agiotas que o Estado tem de pagar pelas parcerias
público-privadas nos contratos das rodovias e da gestão hospitalar. O que é
perigoso é defender a caducidade da contratação colectiva.
A esquerda radical é populista e
perigosa porque acredita na acção colectiva organizada dos cidadãos para
conquistar direitos e bem-estar social. A esquerda radical é populista e
perigosa porque não desiste da luta de classes, não aceita que a vida das
pessoas seja menos importante do que a dos mercados. A esquerda radical é
populista e perigosa porque não aceita hipotecar a felicidade das pessoas
numa taxa de juro ou numa anotação de uma agência de rating. A
esquerda radical é populista e perigosa porque não aceita, não se conforma nem
acha normal os vampiros comerem tudo e não deixarem nada.
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