O
mundo parece estar virado de pernas para o ar. Cada vez mais, somos levados a
concluir que a inversão de valores é um dado adquirido e estamos a caminhar
para um Universo orwelliano onde o poder dos mais fortes passa por cima de leis
e tratados, em seu exclusivo benefício e de uma forma inconcebível. Os exemplos
sucedem-se de uma forma muito rápida como podemos constatar no seguinte artigo
de opinião (*) que transcrevemos do Diário de Coimbra de ontem (23/03/2017).
Num
curto espaço de tempo o inconcebível em política acontece e eis-nos perante uma
chanceler alemã acusada de práticas nazis por um turco desvairado e a ver
recusado um simples aperto de mão, em plena sala oval da Casa Branca.
Mas
Erdogan e Trump foram ainda mais longe. O primeiro convidando os turcos
“vivendo na Europa a manifestarem-se pelos seus direitos” – as prisões turcas
estão cheias de juízes, procuradores, militares, jornalistas e curdos – e a
multiplicarem o número de filhos para dignificarem a pátria.
Trump,
pelo seu lado, exigiu que a Alemanha pagasse o que deve à NATO – uma nota
oficial do governo indicou, posteriormente, que a sua contribuição financeira
na estrutura militar foi sempre assumida – e manteve a sua linha protecionista
no plano da mundialização, ignorando a defesa de questões ambientais,
decorrentes do encontro de Paris (COP21). Dias depois e na reunião do G20, foi
por demais evidente uma inflexão das posições assumidas anteriormente pelos
países membros, limitando-se a passar, a papel químico, as exigências de Washington.
Já
neste continente e na Holanda, as legislativas deram a vitória ao atual
primeiro-ministro conservador-liberal, apesar da queda de eleitos (-8), com a
Esquerda-Verde de Jesse Klaver (pai marroquino e mãe de origem asiática) a
obter mais dez deputados (14) e o partido trabalhista a afundar-se (38 para 9),
onde personifica o insolente Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo, que terá de
deixar de ocupar estas funções, apesar de já haver uma luta intestina nos
corredores de Bruxelas para manter quem tem servido de moço de fretes do
ministro das finanças alemão e afrontado dirigentes políticos democraticamente
eleitos – o que não é o seu caso –, o que seria um escândalo.
Com
Bruxelas e os seus escândalos, a resposta continua a ser um encolher de ombros,
como se não bastassem os problemas derivados de uma gestão política danosa para
a evolução das nações europeias, com consequências nefastas para quem ainda
consegue um trabalho decente, garante de uma sustentabilidade futura e os mais
jovens que o digam.
Contrariando
a deliberação do Centro Internacional de Investigação sobre o Câncro, uma
agencia da Organização Mundial de Saúde, e no dia seguinte à divulgação pela
justiça americana de documentos secretos da empresa Monsanto – agora da alemã
Bayer por 66 mil milhões de dólares – sobre o glifosato (round-up) demonstrando
que beneficiou de conivências para evitar uma qualificação negativa
(cancerígena) do herbicida sistémico mais utilizado no mundo, a Agência
Europeia de Produtos Químicos valida a sua utilização, assunto, aliás, que se
arrastava há quatro anos nos bastidores do Parlamento Europeu.
Enquanto
isto acontece, a Comissão Europeia transmitiu ao governo de Rajoy a decisão do
Tribunal Europeu (TE) de o obrigar a colocar um ponto final no que designou por
“monopólio dos estivadores” nos portos espanhóis, proposta sucessivamente
apresentada, sem êxito, no parlamento pelo partido governamental (PP), já que
nunca obteve uma maioria simples de votos favoráveis.
Desde
final de 2014, momento em que o TE condenou a Espanha a pagar uma multa de 27,5
mil euros/dia, enquanto tal se mantivesse, o que, hoje, significa mais de 23
milhões de dívidas. Inacreditável, mas são resoluções da “nata europeia”, que
vive no melhor dos mundos com a vantagem das “portas giratórias”, em termos de
emprego e vencimentos de luxo, uma espécie de novo modelo de colonialismo
endógeno.
Tais
práticas não invalidam o reconhecimento de que cada um de nós corre o risco de
ser mais um espectador que está em vias de se transformar “em partículas
elementares de uma massa denominada público, no seio de um ambiente tecnológico
e financeiro incontrolável”. Como refere a filósofa Marie José Mondzain.
(*) João
Marques, diplomado em Ciências da Comunicação
Sem comentários:
Enviar um comentário