Jorge
Costa (JC), deputado do Bloco de Esquerda, comenta hoje no Público, com
espírito construtivo, o artigo de opinião assinado por Pacheco Pereira (PP) no
sábado passado, no mesmo jornal. JC aproveita para defender as tomadas de
posição do Bloco em relação aos temas pertinentes abordados por PP.
“Eles esperam no seu fel – até um dia”.
Pacheco Pereira (PP) antevê no seu artigo de sábado uma maré “trumpista” à
portuguesa, feita daquele “ressentimento que, como a água, segue o caminho mais
fácil”.
De facto, vivemos crises de identidade
em vários planos, cuja combinação favorece a deriva populista e xenófoba. PP
tornou-se, aliás, dos mais lúcidos críticos da violência institucional
europeia, que impôs o “arco da governação” e cujo fracasso alimenta o perigo
populista.
Pacheco Pereira define quem pode encher
esta maré: os “abandonados”. Eles são “os trabalhadores, os pequenos
empresários, os operários”. Vindos do “meio” da escala social, “não perderam
tanto como pensam que perderam, mas o que perderam chega para se sentirem
desprezados e abandonados”.
PP acusa o Bloco de co-responsabilidade
neste abandono. É ver as limitações das lutas dos precários, em que tanto se
empenha, ou a defesa das “causas fraturantes” (expressão escolhida por PP).
Estas críticas merecem reflexão, porque puxam a pergunta mais difícil: se só os
Trumps sabem conquistá-los, que alternativa pode disputar a vontade dos
“abandonados”? E, já agora, como e para quê? Procuremos as respostas nos avisos
de Pacheco Pereira.
Primeiro aviso, o esquecimento dos de
baixo: “como o discurso do Bloco faz muito da agenda política da esquerda, a
começar pelo PS, o abandono destas pessoas pela política leva-os a procurar
outros meios de representação”. Esta análise choca com o ciclo 2015/2016.
Abrindo a via à atual solução, o Bloco responde aos muitos que baralharam a
política através do voto, pondo a direita em minoria e o PS em segundo, criando
novas possibilidades. É por isso que a direita ainda não parou de praguejar
contra as “reversões”. E os “abandonados” conhecem pelo nome os resultados da
opção bloquista: salário mínimo, pensões, abono de família e tarifa social da
energia.
Segundo: o Bloco esquece os pobres
porque os precários são “do ‘meio’ da escala social”. Mas então não é
precisamente desse “meio” que vêm os abandonados, os que “encontraram no
destino dos filhos uma barreira que antes não existia – a de verem a geração
que se lhes seguia ter muito menos oportunidades”? Como reconhece PP, a
organização dos precários é das únicas experiências (a que junta a dos
reformados da Apre!) “com algum sucesso em alargar a mobilização social”. Pois
é. Criar novos vínculos de solidariedade na classe trabalhadora, identidade
coletiva nos setores mais fragmentados, experiência contra a desertificação
sindical - haverá caminho mais fértil contra a atomização social em que medram
os trumpismos?
Terceiro: o Bloco “ajudou a tapar esse
enorme ressentimento com distracções”. Invocando as “causas fraturantes”, PP
parece referir-se à legalização do aborto, aos direitos LGBT ou à morte
assistida: “Podendo ser em si importantes, ao deslocarem-se para o centro do
debate político (...) funcionaram como um real abandono destas famílias e
pessoas”.
Mora nesta crítica a nossa maior
divergência. Para PP, sob a pressão do fundamentalismo machista e homófobo
(Trump, Farage…), a esquerda deveria secundarizar a luta pela igualdade. Ora,
Portugal é o melhor exemplo do erro dessa tática. Mudanças na lei e na vida,
hoje pacíficas e amplamente maioritárias, foram ganhas na disputa das
consciências, reduzindo o campo dos populistas conservadores (Pacheco dá o
exemplo dos jovens do CDS), desejosos de trepar agarrados aos “valores” e à “segurança”.
A esquerda venceu porque lutou. Com mulheres pobres em tribunal e
discriminações longe do “centro do debate político”, teríamos hoje mais gente
“abandonada”. A retirada da esquerda é o triunfo dos demagogos.
Para vencer a política Trump, ninguém
pode ficar para trás. Como ganhar esse povo? Com a fraternidade contra o ódio,
mobilizando todas as causas e reinventando a emancipação do trabalho. A
esquerda tem de ser organização popular e solução para quem hoje teme. Para
quê? Para ganhar a maioria e distribuir a riqueza, com a democracia no controlo
da economia e da planificação ecológica. Socialismo — a senha de Bernie Sanders
—, para vencer o medo que tudo abandona.
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