Se estivermos atentos à opinião publicada e mesmo às conversas de café, encontramos, com facilidade, gente a opinar contra as medidas do Governo em geral e contra o primeiro-ministro em particular. Não temos grandes dúvidas que muitas destas pessoas votaram neste Governo e, sobretudo, não nos esquecemos da defesa destas medidas de austeridade por parte de muitos construtores de opinião que agora viram o bico ao prego quando, há muitos meses, se sabia que o resultado seria o que se está a passar.
É na área “socialista” que agora se assiste a um crescendo de opinião anti-troika querendo fazer esquecer que, no essencial, concordaram com as medidas que nos foram imposta há pouco mais de um ano. Ainda agora, percebe-se nas entrelinhas que os principais dirigentes do PS apenas defendem que a austeridade seja mais fofinha… Infelizmente, sobre o actual PS não podemos ter grandes ilusões.
Mesmo assim, vai havendo, cada vez mais, quem mostre, sem reservas, a sua indignação em relação ao que se está a passar e isso constitui uma vitória para todos aqueles que querem que a troika se vá “lixar”. Registamos aqui um desses casos, expresso no seguinte artigo de opinião que transcrevemos do “Diário de Coimbra” de hoje (12/9/2012).
Um grito de alma (*)
A crise não pode justificar tudo. Transferir rendimentos do fator trabalho para o fator capital constitui uma opção ideológica. Retirar trinta euros ao salário mínimo nacional constitui uma insensibilidade social. Fingir acreditar que com estas medidas se dinamiza o emprego é ignorância. A reacção do sector do comércio e serviços, provavelmente o setor com maior volume de emprego, é inequívoca. Como muito bem refere Silva Lopes, nem sequer nem sequer se trata de opções inerentes a um neoliberalismo, apenas de favorecer um reduzido número de amigos. Com a destruição do mercado interno, por total falta de consumo das famílias, arrasam-se centenas de empresas, liquidam-se milhares de postos de trabalho. As associações das pequenas e médias empresas já manifestaram a sua profunda discordância.
O equilíbrio orçamental é um instrumento na política económica e não um fim em si mesmo. Regressar aos mercados financeiros com uma economia destruída não resolverá nenhum dos nossos problemas. Caminhar de forma segura para o equilíbrio das contas públicas, reduzir a despesa pública, melhorar a eficácia da administração, alterar padrões de comportamento, não é equivalente a uma política cega de cortes, sem qualquer sensibilidade social.
Claro que tecnicamente o aumento da taxa para a segurança social não é um imposto, mas na prática comporta-se como tal. Qual a equidade nos sacrifícios, sem qualquer progressividade no imposto, como compreender que os rendimentos de capital passem ao lado, com aceitar que, de novo, os que mais podem passem entre os pingos da chuva e assobiem para o lado.
Reformados e pensionistas continuam a perder dois subsídios. Após uma vida de descontos, sujeitos durante catorze meses ao pagamento para a Segurança Social ou para a Caixa Geral de Aposentações, vêem confiscadas as poupanças que, de forma obrigatória, constituíram.
Todos temos responsabilidades. Chega de culpar o passado, não é essa a função dum governo, e o passado foi julgado democraticamente nas urnas (mesmo que eu discorde da decisão). Chega de política de bom aluno, que parece ir tirando muito boas notas mas que não atinge qualquer objetivo. Temos de pedir contas a quem nos prometeu o céu e nos traz o inferno. Pela terceira vez, vimos seraficamente o primeiro-ministro anunciar novos sacrifícios. Afinal quais os dados que se alteraram para justificar que as medidas implementadas há um ano (já opostas às promessas eleitorais), que os portugueses na sua boa-fé aceitaram, não tivessem resultado.
Agora não pode haver mais hesitações. Temos de saber dizer basta! Criar uma alternativa exige-se. Em democracia não existe vazio. Quando os fantasmas preenchem este poder que nos desgoverna compete-nos escolher novos protagonistas.
O caminho faz-se caminhando. Como os jovens que iniciam agora o seu caminho neste novo ano escolar (infelizmente começa com muitas perturbações), também na política temos de começar um novo caminho. Com credibilidade, sem demagogia, sem promessas irrealistas, com responsabilidade, mas com esperança e com justiça social, apostando na economia real, valorizando as pessoas e o trabalho, apostando em políticas públicas na educação, na saúde, no ambiente, combatendo o desemprego, não com medidas conjunturais mas pela reorientação do crédito e com incentivos estrategicamente selecionados.
(*) Moura e Sá (engenheiro)
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