terça-feira, 25 de setembro de 2012

MEDIOCRIDADE RECONHECIDA

Em 38 anos de democracia nunca tivemos um governo de uma qualidade tão confrangedora como o actual. Isto vem sendo repetido de executivo para executivo e ainda não parou. Depois de Sócrates, parecia que seria impossível haver um primeiro-ministro pior mas eis que Passos Coelho já ultrapassou largamente a fasquia da mediocridade máxima. É o próprio Presidente da República que o reconhece ao convocar para o Conselho de Estado o Ministro das Finanças no sentido de se pronunciar sobre uma matéria que o primeiro-ministro supostamente deveria ter a competência técnica para o fazer. Um autêntico atestado de incompetência passado a Passos, com a assinatura de Cavaco Silva. Se, para além do apego ao poder, houvesse um mínimo de dignidade, este Governo já teria pedido a demissão. Sobre a reunião do Conselho de Estado transcrevemos aqui as partes essenciais de uma crónica publicada no Diário de Coimbra do último domingo.


Conselho de estalo (*)

Sete horas de reunião do Conselho de Estado e, tanto quanto a minha memória alcança, um autêntico recorde de resistência que terminou em pouco mais que nada. Cavaco Silva convocou esta reunião, com dois objectivos que, afinal ficaram longe de ser cumpridos.

Primeira questão: perante a gravíssima situação a que o país chegou e sob o enorme coro de críticas à sua inércia, o Presidente da República usou o Conselho de Estado como única saída, para mostrar serviço. Segunda questão: complementarmente tinha um objectivo táctico. Queria confrontar os conselheiros de esquerda com uma circunstância dramática: o PS não estava em condições de ser alternativa, nem o partido, nem o líder. Como tal, o PSD, de acordo com as sondagens conhecidas, continuava a tremer, na frente das preferências dos portugueses e, portanto, a coligação PSD/CDS era, no momento, a única solução que restava para o país.

Mas esbarrou em dois factos, na semana que mediou entre a data da convocatória e a própria reunião. Primeiro, Mário Soares apercebeu-se dos propósitos do Presidente da República e veio dizer que o país precisava de um governo de salvação nacional. E não acrescentou mais qualquer pormenor, nem mesmo sobre a estrutura desse enigmático governo. A única coisa dedutível desta proposta: teria de ser um governo de iniciativa presidencial. Cavaco percebia assim que, se pretendia “entalar” Mário Soares e os outros conselheiros de esquerda, o tiro lhe estava a sair pela culatra e era agora ele que começava a ficar “entalado”.

Para complicar mais os propósitos do Presidente da República, a meio da semana, foi publicada uma sondagem da – para ele, insuspeita Universidade Católica – que colocava o PS na liderança das intenções de voto, com uma confortável vantagem de sete pontos percentuais. A mesma sondagem plasmava, de forma inequívoca, o enorme trambolhão do PSD, com transferência de voto para o PS e ainda para os partidos à sua esquerda, isto é, o Bloco de Esquerda e o PC. O PSD ficava reduzido a 24 por cento, o valor psicológico que destruiu a liderança de Manuela Ferreira Leite. Esta sondagem atribui uma clara maioria absoluta ao conjunto da esquerda. E se é certo que os comunistas não entram, por definição, nestas contas, o PS e o Bloco de Esquerda, juntos, segundo os meus cálculos, estarão a menos de cinco pontos da maioria absoluta. Dependendo da distribuição regional do voto, essa diferença pode baixar para os dois pontos percentuais. Matematicamente, a maioria absoluta é possível, em Portugal, a partir dos 44 por cento.

Convém dizer que havia duas sondagens anteriores que já atribuíam a liderança ao PS, mas por margens muito estreitas que cabiam dentro do intervalo de confiança. Logo, cumpriam o critério do empate técnico.

Cavaco Silva introduziu um compreensível factor de dramatização, com a convocação do Conselho de Estado. Mas devia tê-lo feito sem estados de alma, e só depois de ouvir os partidos políticos, sobretudo, para ele próprio aferir da solidez da coligação.

De repente, a situação tornou-se dramática para a direita que não quer largar o poder, por enquanto, a meio de um enorme desastre político. A coligação está a abrir todos os dias mais brechas e o próprio comunicado final do Conselho de Estado admite isso. Paulo Portas terá toda a vontade do mundo de acabar com esta aliança, mas teme o eleitorado. A tradição portuguesa diz que o partido que abra crises será sempre punido pelo eleitorado, no escrutínio seguinte. E Portas, com escassos sete por cento de intenções de voto, longe dos seus tão desejados dois dígitos, está sem margem de manobra, para correr riscos.

O Conselho de Estado ouviu ainda uma exposição do ministro das Finanças que, de acordo com informação de que disponho, terá admitido que o défice está em 6,6 por cento, portanto, distante dos 5,3 acordados recentemente com a troika. E, a três meses do fim do ano, com a procura interna em baixa, o que quer dizer, com a cobrança do IVA a derrapar vertiginosamente, não tem qualquer possibilidade de recuperação. (…) É a falência total do Governo que não consegue responder aos mais legítimos anseios dos portugueses, mas também não consegue cumprir os seus objectivos. Em política, não há maior desastre e só se lhe pode responder com a humildade da demissão.
(…)
(*) Sérgio Ferreira Borges

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