O poder judicial constitui um dos pilares do Estado democrático. Todos os pilares são independentes uns dos outros. Até aqui não há qualquer dúvida.
Primeiro facto estranho: a participação num evento do partido do poder da procuradora-geral adjunta e directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, Cândida Almeida, por muitos tida como futura Procuradora-Geral da República.
Segundo facto estranho: a dra. Cândida Almeida foi afirmar na Universidade de Verão do PSD, “olhos nos olhos” que a corrupção em Portugal é “residual” apesar da “percepção” contrária existente, até de organizações internacionais que tratam daquele fenómeno.
Tudo isto soa bem nos ouvidos dos detentores de cargos políticos, muitos dos principais alvos de suspeita de corrupção, mas para o cidadão comum, farto de saber a realidade que o rodeia, soa a falso. Não é pelo facto de muitas acusações de corrupção não serem provadas em tribunal que deixam de existir.
A dra. Cândida Almeida, como jurista e magistrada referiu-se, de facto, “a uma definição jurídica de corrupção, precisa e específica, estreita e formal, daquelas que vêm nos códigos penais, e não à corrupção como a entendemos na linguagem de todos os dias, em português, nas conversas, nas discussões, na actividade política”. E é esta que conta e que faz a realidade do nosso dia-a-dia.
Como muito bem afirma hoje no ‘Público’ o jornalista José Vítor Malheiros (*), “a acepção judiciária em que Cândida Almeida usa a palavra (…) não é a acepção comum, que define corrupção de forma mais ampla, como desonestidade, como falta de integridade, como imoralidade, como roubo, como desvio e não apenas como um acto mas como uma cultura. A corrupção que eu e muitos outros sentimos (sim, uma percepção) no "arco do poder" em certos casos nem sequer é ilegal. É o caso dos deputados que são ao mesmo tempo advogados e consultores dos mais variados interesses, que foram eleitos pelo povo para defender a causa pública e que estão no Parlamento para defender interesses privados. Legal. Mas corrupção. É a corrupção da democracia. É o caso dos políticos que no Governo fazem favores às empresas que depois os compensam da sua lealdade contratando-os quando saem do Governo. Legal. Mas corrupção. Ou melhor: percepção de corrupção. É o caso das obras inúteis ou dos empréstimos contraídos a juros agiotas para benefício de construtoras e bancos em prejuízo do erário público. É o caso da venda a preço de saldo de empresas públicas para benefício das empresas compradoras. É difícil de provar que haja intenção de obter benefício próprio e dos amigos? Pode tratar-se de uma opção ideológica? Pode. Há de facto uma opção ideológica que consiste em roubar o Estado, distribuir as riquezas roubadas pelos amigos mais ricos e tentar reduzir os mais pobres à inanição e à passividade. Mas o verdadeiro nome disto é corrupção. Ainda que o PSD, o CDS e uma parte do PS nos andem a tentar convencer que isso se chama política. Não chama. A política é a generosidade da polis, da coisa pública. Esta gestão de fortunas que o Governo faz chama-se (desculpe, Cândida Almeida) corrupção. E existe.”
De qualquer modo e como conclusão, maior dúvida que fica é em relação à verdadeira intenção da presença da dra. Cândida Almeida na Universidade de Verão do PSD. Um mínimo de bom senso deveria levá-la a recusar tal convite.
(*) Afinal a corrupção não existe?
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